FUGESP
Revista de Gastroenterologia da Fugesp - NOÇÕES BÁSICAS DO METABOLISMO DAS BILIRRUBINAS
Maio/Jun-2000

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DAS ICTERÍCIAS


Dra. Claudia P.M.S. de Oliveira
Médica Pesquisadora da Disciplina de Gastroenterologia da FMUSP

Deve ser realizada minuciosa anamnese contendo história da doença, modo de início, duração, informações sobre presença ou ausência de febre, acolia fecal, colúria ou prurido, dor no hipocôndrio direito e epigástrio, antecedente de uso de drogas, contato com pessoas com hepatite, antecedentes familiares de icterícia, história de etilismo, hepatopatia crônica ou colelitíase. A presença de prurido, acolia fecal e colúria sugere processo obstrutivo intra ou extra-hepático. Nos processos parenquimatosos a acolia é geralmente fugaz ou inexistente. As dores em cólica no hipocôndrio direito são sugestivas de colelitíase. Antecedente familiar de icterícia pode sugerir doença hereditária.

No exame físico, além da identificação da icterícia na pele e mucosas, devem-se explorar sinais de hepatopatia crônica (spiders, eritema palmar e ginecomastia); à palpação do abdome avaliar a presença de hepatomegalia, esplenomegalia, ascite, circulação colateral ou sinal de Murphy. A vesícula palpável em icterícias crônicas sugere obstrução baixa das vias biliares como tumor de pâncreas. Lembrar que icterícias por obstruções prolongadas podem conferir à pele aspecto esverdeado (icterícia verdínica) devido à oxidação da bilirrubina em biliverdina. A história clínica e o exame físico bem feitos possibilitam o diagnóstico etiológico em 70% dos casos.

Nos exames laboratoriais avaliar se há predomínio da BD ou BI. Quando existe elevação predominante da BI associada à anemia, aumento dos reticulócitos, elevação da DHL e redução da haptoglobina, sugere quadro de hemólise. Por outro lado, caso exista predomínio da BD associado ao prurido e elevação das enzimas canaliculares (Fosfatase alcalina e gama-GT), sugere colestase.

Na investigação das colestases, deve-se tentar definir primeiramente se a colestase é intra ou extra-hepática. Um dos exames complementares que mais auxiliam nesta diferenciação e é de fácil acesso e baixo custo, é a ultrassonografia. Quando o fígado é normal e não há dilatação das vias biliares intra ou extra-hepáticas, trata-se de uma colestase intra-hepática. Caso contrário, diagnostica-se colestase extra-hepática.

Na investigação das colestases intra-hepáticas deve-se pesquisar auto-anticorpos, sorologias virais, avaliar detalhadamente o uso prévio de drogas, doenças auto-imunes concomitantes, excluir gravidez e infecções. Na presença de lesão hepatocelular há elevação das aminotransferases, redução da albumina e da atividade de protrombina. Caso exista alguma massa à ultrassonografia, pode-se investigar melhor por meio de tomografia computadorizada de abdome. A Colangiopancreatografia Endoscópica Retrógrada(CPRE) e a biópsia hepática estão indicadas nas colestases intra-hepáticas quando não se consegue o diagnóstico etiológico da colestase por todos estes outros exames mencionados acima. A biópsia hepática deve ser realizada na dúvida diagnóstica e no estadiamento de doenças crônicas do fígado. Contudo, deve-se contra-indicar a biópsia hepática nas colestases em que existe dilatação de árvore biliar.

Nas colestases extra-hepáticas, em que se visualiza dilatação da árvore biliar intra-hepática e os métodos de imagem (ultrassonografia e tomografia) não conseguem esclarecer o diagnóstico, pode-se solicitar uma Colangiografia Transparieto-Hepática Percutânea ou, mais modernamente, a Colangiografia por Ressonância Nuclear Magnética. Quando a dilatação é principalmente extra-hepática pode-se solicitar CPRE ou a Colangioressonância.

TRATAMENTO

O tratamento vai ser direcionado para o alívio dos sintomas e combate à patologia básica. Nas hiperbilirrubinemias indiretas do recém-nascido indica-se fototerapia, exsanguíneo-transfusão nos casos mais graves para evitar o Kernicterus e, em algumas ocasiões o uso do fenobarbital.

Nas colestases tanto intra-hepáticas como extra-hepáticas, o tratamento sintomático visa sobretudo à amenizar o prurido. Utiliza-se quelante de sais biliares (colestiramina), ácido ursodeoxicólico, antagonistas opióides e anti-histamínicos. Nas doenças crônicas do fígado colestáticas como CBP ou CEP trata-se o prurido e a deficiência das vitaminas lipossolúveis (A,D,E,K) e deve-se avaliar o momento da indicação do transplante hepático. Na coledocolitíase, pode-se utilizar o tratamento endoscópico (CPRE) com a papilotomia para retirada dos cálculos ou tratamento cirúrgico. Nos tumores, o tratamento quando possível é cirúrgico. Em casos avançados, onde não é passível de ressecção, pode-se optar pela colocação de próteses endoscópicas intra-tumorais que permitem melhor drenagem da via bilar e aliviam provisoriamente a sintomatologia, principalmente o prurido.

O importante na abordagem do paciente ictérico é: fazer uma boa história e exames físicos para tentar identificar a etiologia do processo através de um raciocínio lógico e coerente, usar de cautela na indicação de exames complementares para esclarecimento diagnóstico, aliviar sintomas e, quando possível, promover a cura.

 

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