FUGESP
Revista de Gastroenterologia da Fugesp - SINTOMATOLOGIA DA DOENÇA PEPTICO-ULCEROSA
Jan/Fev-2000

DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL RCUI OU DOENÇA DE CROHN?
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL


Dra. Claudia P.M.S. de Oliveira
Médica pesquisadora da Disciplina de Gastroenterologia da FMUSP

O termo Doença Inflamatória Intestinal (DII) engloba a Retocolite Ulcerativa Idiopática (RCUI) e a doença de Crohn (DC). Estas doenças, apesar de distintas em alguns aspectos clínicos, endoscópicos e radiológicos, são estudadas concomitantemente em um mesmo capítulo (DII) por apresentam algumas características genéticas, epidemiológicas e imunológicas semelhantes e principalmente, por apresentarem em comum um processo inflamatório crônico intestinal.

Contudo, apesar de estudadas em um mesmo capítulo, a RCUI e a DC têm diferenças importantes na sua forma de apresentação. Estas diferenças se iniciam pelo comprometimento difuso da DC, podendo acometer todo o trato digestivo, da boca até o ânus, enquanto que a RCUI limita-se ao colon.

Algumas características histopatológicas tanto macroscópicas como microscópicas são diferentes na DC e RCUI. Na doença de Crohn a inflamação é transmural ou seja acomete toda a parede intestinal e, o comprometimento é descontínuo(áreas sem alterações entremeadas à áreas comprometidas). Nesta doença, são comuns úlceras lineares confluentes, profundas, fístulas e estenoses. O granuloma focal não caseoso no intestino delgado, é encontrado em 30-40% dos pacientes com DC e a presença de abcesso de cripta é indicativo de RCUI.

Na RCUI, a inflamação é delimitada à mucosa e submucosa do cólon e o comprometimento é contínuo, iniciando-se pela parte distal do reto. Não são freqüentes a presença de estenoses e fístulas e, a mucosa colônica é friável devido, à ulceração superficial difusa. Pode coexistir a formação de pseudopólipos, que consistem em afloramentos de tecido de granulação que surge entre as áreas de inflamação. É freqüente a presença de abscessos de cripta, e, praticamente não se encontram granulomas focais. A displasia do cólon é mais freqüente do que na DC.

Diferenças clínicas também são vistas entre as duas doenças, principalmente, partindo-se do princípio que a DC pode acometer todo o trato gastrointestinal, podendo cursar com uma grande variabilidade de apresentação clínica, sendo que a RCUI é exclusiva do cólon.

Na DC a dor abdominal é mais frequente e se localiza em região periumbilical e fossa ilíaca direita pois, o principal local de acometimento é a região íleo-cecal. Na RCUI a dor é menos intensa e frequentemente se localiza nos flancos e fossa ilíaca esquerda. O sangramento retal é bem mais comum na RCUI, encontrado na DC quando haja comprometimento importante do cólon.

Massa palpável no abdome é mais encontrada na DC, localizada frequentemente na fossa ilíaca direita (região íleo-cecal), sendo rara na RCUI. Sintomas gerais como mal estar, febre, perda ponderal e anorexia são mais evidentes na DC do que na RCUI. Diarréia crônica, líquida, sem sangue ou pus constitui um dos sintomas que levam o médico a pensar no diagnóstico de DC.

A presença de fístulas perianais, enterocutâneas ou entero-entéricas também devem suscitar diagnóstico de DC, sendo raras na RCUI. Quadros suboclusivos são mais frequentes na DC e o megacólon tóxico mais comum na RCUI. Sintomas retais como puxo, tenesmo e urgência fecal são mais evidentes na RCUI.

Endoscopicamente, também existem algumas peculiaridades inerentes a cada uma, apesar de algumas vezes, o diagnóstico diferencial apresentar-se difícil. Na DC, o comprometimento retal é incomum, as lesões colônicas quando existentes, se apresentam sob a forma de úlceras denominadas aftóides, que são úlceras rasas, esbranquiçadas, de margens elevadas (são bolhas rotas).

Também existe a presença de úlceras lineares e serpinginosas que podem coalescer e formar fissuras profundas. Aspecto característico no íleo terminal é aquele denominado "cobblestone's" ou aspecto em "pedras de calçamento", que é resultado de fissuras e úlceras cercando áreas de mucosa normal; o aspecto em cordel, próprio de estenose inflamatória, é igualmente típico .

Na RCUI, o reto sempre se encontra lesado e o comprometimento é contínuo, não existindo áreas de mucosa normal com mucosa lesada como na DC. A mucosa é mais friável e sangra ao toque do endoscópio. Pode existir a presença de pseudopólipos em todo trajeto do colon.

Estas diferenças auxiliam fortemente no diagnóstico diferencial entre a RCUI e DC. Contudo, em uma percentagem de 5-10%, apesar da tentativa de se diferenciar clínica, endoscópica e histopatologicamente, não se consegue diferenciar entre DC e RCUI, principalmente quando o comprometimento é exclusivo do cólon. Denomina-se para estes casos colite indeterminada .

O quadro abaixo sumaria dados comparativos entre RCUI e DC.

Quadro 1. Diferenças Anátomo-Clinicas entre RCUI e DC

 

RCUI
DC
Aspectos Macroscópicos
Comprometimento exclusivo do cólon.
Envolvimento retal frequente. Lesões contínuas.
Úlceras superficiais.
Friabilidade da mucosa.
Presença de pseudopólipos.
Comprometimento da boca ao ânus.
Lesões orificiais (anus).
Lesões segmentares.
Úlceras profundas.
Friabilidade menos evidente. Aspecto em mosaico.
Aspectos Microscópicos
Inflamação restrita à mucosa e submucosa.
Abscessos de cripta frequentes. Depleção das células. caliciformes.
Atrofia da mucosa.
Ausência de granulomas.
Inflamação transmural.
Abcessos de cripta infreqüentes.
Rara depleção de células caliciformes.
Mucosa sem atrofia Granulomas frequentes.
Aspectos Clínicos
Dor no flanco e fossa ilíaca D.
Sangramento retal frequente.
Diarréia semilíquido com sangue.
Náusea e vômitos raros.
Tenesmo e puxo frequentes.
Mal estar, febre, anorexia menos comuns.
Fístulas e estenoses incomuns
Dor periumbilical e fossa ilíaca D. Sangramento retal infreqüente. Diarréia líquida sem sangue. Náusea e vômitos mais frequentes. Tenesmo e puxo raros.
Presença de mal estar, febre e anorexia.
Fístulas e estenoses comuns .

 

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