IMPORTÂNCIA
DA ULTRASONOGRAFIA HEPÁTICA
PARÂMETROS
DA ULTRA-SONOGRAFIA NAS HEPATOPATIAS CRÔNICAS
Dra.
Denise Cerqueira Paranaguá Vezozzo
Médica Pesquisadora da Disciplina de Gastroenterologia
do Serviço
de Gastroenterologia Clínica do HCFMUSP
O
uso da ultra-sonografia (US) no estudo das hepatopatias
crônicas, com destaque para as cirroses, tem
adquirido uma crescente importância, sobretudo
pelos conhecimentos acumulados com inúmeros
trabalhos comparativos anátomo-clínicos
e também pela tecnologia dos novos equipamentos
que possibilitaram melhores correlações
e aquisições de imagens.
Cirrose
hepática é definida como um processo
parenquimatoso difuso que apresenta fibrose e formação
de nódulos regenerativos, com desarranjo da
arquitetura lobular do fígado e necrose. A
fibrose não significa cirrose. Fibrose isolada
pode estar presente na insuficiência cardíaca,
obstrução de ducto biliar e fibrose
congênita sem corresponder a cirrose verdadeira.
A formação de nódulo sem regeneração
como na hiperplasia nodular regenerativa não
é cirrose. Cirrose surge após necrose
hepatocelular, processos metabólico-degenerativos
hepáticos e/ou ambos. Embora as causas da necrose
hepatocelular sejam diferentes, o resultado final
é o mesmo: destruição variável
e alteração da micro e macrocirculação,
como da arquitetura hepática com associada
formação de largas bandas de septos
fibrosos que circundam os nódulos regenerativos.
Morfologicamente
quatro tipos de cirrose podem ser reconhecidos: micronodular,
macronodular, mista e septal incompleta. A cirrose
micronodular é caracterizada por septo uno
e de largura uniforme e com nódulos regenerativos
usualmente menores do que 3 milímetros de diâmetro,
como se encontra no alcoolismo e na desnutrição.
O fígado macronodular apresenta nódulos
maiores do que 3 milímetros até centímetros,
e os septos apresentam variada espessura, tipo este
referido como cirrose pós-necrótica.
O tipo misto tem características de cirrose
micro e macronodular. A cirrose septal incompleta
é sinônimo de cirrose pós-hepática
e pode ser classificada como macronodular.
O
diagnóstico da cirrose pela ultrassonografia
é baseado em sinais hepáticos e extra-hepáticos
tais como esplenomegalia, ascite ou sinais de hipertensão
portal, descritos amplamente na literatura e comuns
a outras doenças. Já os sinais hepáticos
podem ser sinais indiretos de cirrose como variações
das dimensões dos segmentos hepáticos
de forma isolada ou em conjunto, o que implica aumento
ou redução dos lobos ou hipertrofia
do caudado. Avaliam-se outros sinais, tais como: a
análise do padrão da ecogeneidade do
parênquima; as variações graduais
da textura do parênquima; variações
da textura associadas ao aumento da ecogeneidade;
variações da textura associadas a maior
brilho e atenuação sonora posterior;
irregularidades da superfície hepática
evidenciadas na linha ecogênica do contorno.
Interessante analisar pela ultrassonografia os diferentes
grupos de população de pacientes que
apresentam cirroses de etiologias diversas; até
o momento estas diferenças são tênues,
em virtude da capacidade de resolução
da escala de cinzas. Os equipamentos da geração
dos anos 90 apresentam aproximadamente 256 tons de
cinza; já os recentes, com programas digitais,
apresentam melhor formação de imagem.
Daremos alguns exemplos de grupos de doenças
hepáticas que cursam com características
sonográficas peculiares..
Na
cirrose alcóolica há aumento difuso
da ecogeneidade e do brilho, tendendo à textura
homogênea, bordas rombas, hepatomegalia e predominância
da rede arterial ao Doppler (recurso complementar
do aparelho). Na Síndrome de Budd Chiari há
variação focal da ecogeneidade, podendo
apresentar-se nódulos hipoecóides imprecisos,
hipertrofia do caudado associado a vasos de trajeto
anômalos e ausência de fluxo dos vasos
hepáticos ao Doppler. Na hepatite autoimune
o fígado tende a ser mais hipoecoíde
com textura grosseira variável, bordas finas
e poucos sinais de hipertensão portal. Na doença
de Gaucher observa-se hepatomegalia homogênea
e volumosa esplenomegalia. Nas hepatites virais, especialmente
de etiologia pelo vírus B, observamos um padrão
de textura heterogêneo e grosseiro com micronódulos
hipoecóides, e alguns, esparsos, hiperecóides
e difusos.
Desta
forma, tentativas têm sido realizadas para melhor
quantificar parâmetros sonográficos e
torná-los mais objetivos. Numerosos avanços
já estão ao alcance da prática
médica e, portanto, a divulgação
da padronização permite rotina sistematizada
aplicada à investigação de pacientes
cirróticos, com resultados tanto para aqueles
que operam o aparelho como para aqueles que solicitam
o exame apoiados nos relatórios bem elaborados,
descritivos e objetivos do exame. Os principais parâmetros
de avaliação das hepatopatias são:
dimensão, superfície, bordas e grau
de homogeneidade do parênquima.
Para
determinar as dimensões hepáticas utilizamos
os conceitos simples de Weill baseados nos ângulos
marginais (sinal do ângulo) e espessura do lobo
esquerdo (sinal tangente). A hipertrofia do lobo caudado
é avaliado de acordo com os critérios
de Seitz e cols, sinal testado como altamente específico
e ausente em todos pacientes não cirróticos
(especificidade de 100% e sensibilidade de 26%).
A
irregularidade da superfície é um sinal
objetivo que diretamente se correlaciona com a aparência
real do fígado cirrótico. A linha hiperecóide
da superfície hepática pode ser interrompida
e descontínua, ou mesmo com aspecto nodular,
melhor avaliada ao longo do contorno hepático
anterior esquerdo.
As
bordas hepáticas são analisadas ao longo
do eixo longitudinal dos lobos, valorizando--se a
maior distância entre o diafragma e a borda
inferior direita e esquerda, enfocando-se a confluência
dos ângulos formados pelas faces anterior e
posterior do fígado, maiores do que 75 e 45
graus, respectivamente.
Fig.1
- Esteatose hepática. Observe a acentuação
do brilho por atenuação sonora posterior.
A
análise do parênquima hepático
ou textura foi didaticamente classificada por Kimura
e cols da Universidade de Chiba (Japão) em
quatro padrões, de acordo com a detecção
de nódulos hipoecóides , o que permitiu
definir graus de textura, que variam desde zero ou
homogênio, até grosseiro de 1, 2 e 3
cruzes. É bem verdade que o padrão de
ecogeneidade é altamente subjetivo e dependente
do equipamento, do operador e das características
de ecogeneidade peculiar de cada paciente levando-se
em conta, tipo de pele e espessura da derme. A granulação
dos ecos não é facilmente quantificável
e tentativas de padronização mais rígida
estão limitadas a trabalhos experimentais.
Brilho é outro parâmetro subjetivo, porém
há consenso quanto a comparação
entre os ecos do parênquima hepático
e os ecos da córtex renal, possibilitando graduação
da ecogeneidade hepática em três níveis:
leve, moderado e grave. Por outro lado, é um
sinal relativamente específico, estando ausente
em todos os pacientes sem infiltração
gordurosa e, a presença de esteatose traduzida
como hiperecogeneidade com atenuação
sonora posterior ao ultra-som é uma expressão
de gordura hepática ( 66% de pacientes com
esteatose presente).
Num
recente trabalho, estudamos prospectivamente 44 pacientes
com hepatopatia pelo vírus da hepatite C (VHC),
sendo 23 com diagnóstico histológico
de cirrose.
Fig.2
- Cirrose hepática causada pelo vírus
C.
Observe a textura grosseira do parênquima.
O
objetivo foi o de comparar a ultrassonografia convencional
com o estadiamento histológico da infecção
crônica pelo vírus da hepatite C para
o diagnóstico de cirrose, obedecendo estes
parâmetros já descritos acima. Este estudo
permitiu discriminar as fases mais avançadas
da doença, sendo que dentre os critérios
analisados, a textura e superfície mostraram-se
altamente sensíveis e específicas na
identificação da cirrose (95,6% x 80,0%
e 91,3% x 80,0%).
Fig.3
- Cirrose hepática por vírus C.
Ressalte-se na imagem irregularidade de contornos,
textura grosseira e nódulo hipoecogênico
de hepatocarcinoma (flecha).
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