EPIDEMIOLOGIA DA HEPATITE PELO VÍRUS C
Dr. José Eymard Moraes de Medeiros Filho
Pós-Graduando da Disciplina de Gastroenterologia Clínica
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
O
vírus da hepatite C (VHC) é hoje um dos principais problemas
de saúde pública no mundo, acometendo mais de 300
milhões de pessoas em todo o globo e representando a principal
causa de insuficiência hepática e indicação
de transplante hepático na maior parte dos serviços
em todo o globo.
Identificado
há apenas 13 anos por Choo e cols. em 1989, consiste em um
vírus de RNA de fita simples pertencente à família
Flaviviridae, relacionado a Pestivirus e ao vírus da
febre amarela, entre outros.
Apresenta
uma ampla variabilidade em sua estrutura genética, diferindo
em diferentes genótipos de importância por apresentarem
características clínicas e distribuição
geográficas próprias. Os seis genótipos,
identificados por números de 1 a 6, apresentam subtipos distintos,
embora relacionados, por sua vez identificados por letras (a, b, c,
d).
Devido
a sua ampla variabilidade genética, decorrente da alta taxa de
replicação viral e da ausência de atividade de proofreading
(correção da seqüência de RNA replicada) durante
sua replicação, o VHC existe em um indivíduo como
um aglomerado de genomas virais semelhantes, porém não
idênticos, diferindo entre si por pequenas substituições
na sua seqüência genética. A este pool de genomas
virais intrinsecamente relacionados dá-se o nome de quasispecies.
No
Brasil, assim como nas Américas, os genótipos mais prevalentes
são o 1, 2 e 3, responsáveis por mais de 90 % dos casos.
Dentro do próprio Brasil, observam-se diferenças na prevalência
entre os distintos genótipos, embora o genótipo 1 seja
o mais freqüente, responsável por mais de 60% dos casos
de infecção pelo VHC no país.
Entretanto,
na região Centro-Oeste observa-se uma maior incidência
relativa do genótipo 2, ao passo que na região Sul o genótipo
3 representa quase a metade dos casos de infecção.
Como
estes dois genótipos apresentam melhor padrão de resposta
ao tratamento com interferon (IFN) convencional, justifica-se
a mais alta taxa de resposta observada nestas regiões quando
comparada às regiões Sudeste e Nordeste, predominantemente
infectadas pelo genótipo 1.
Acredita-se
que 1% a 3 % da população brasileira esteja infectada
pelo VHC. Até 1992, ano em que foi disponibilizada
e tornada obrigatória a realização de testes
em bancos de sangue para identificação e descarte
de hemoderivados contaminados pelo VHC, a hemotransfusão e a
utilização de hemoderivados eram as principais vias de
contaminação.
Deste
modo, pacientes hemofílicos e submetidos a cirurgias extensas,
principalmente cirurgias de revascularização miocárdica,
constituíam-se nos principais grupos de risco. Hoje, essa possibilidade
torna-se bem mais remota, embora não impossível, com a
existência de testes de maior sensibilidade e especificidade,
e sua ampla realização em bancos de sangue, conforme determinado
por lei.
Entretanto,
a incidência de novos casos em outros grupos populacionais
vem aumentando, decorrentes da mudança no perfil epidemiológico,
sendo hoje os grupos de maior risco os usuários de drogas intravenosas
(UDI) e os pacientes em hemodiálise.
No
setor de Hepatologia da Disciplina de Gastroenterologia Clínica
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em análise
das características demográficas e epidemiológicas
de 628 pacientes entrevistados prospectivamente entre janeiro de
1998 e janeiro de 2001, observou-se:
Quanto
à histologia no momento da apresentação, 38%
dos casos apresentavam-se com fibrose F4 (METAVIR) e 55% F2 ou F3.
Uma possível explicação reside no fato de, sendo
um Centro de Referência com a maior movimentação
de pacientes VHC no Estado de São Paulo, o nosso serviço
era referenciado para pacientes com doença, e não apenas
infecção pelo VHC, provenientes de todo o Estado, e até
mesmo de todo o país.
Concluímos,
deste modo, que a infecção pelo VHC é um problema
de saúde pública também no nosso meio, que leva
a um importante comprometimento da sobrevida e da qualidade de vida
de pacientes em nossa região, merecendo um olhar mais atento
por parte dos agentes responsáveis pelas diretrizes de política
de saúde, incluindo não apenas ações de
tratamento, mas, principalmente, de prevenção.
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