AVALIAÇÃO
NUTRICIONAL EM GASTROENTEROLOGIA
Cláudia Pinto Marques Souza de Oliveira
Médica Pesquisadora e Chefe do Grupo de
Nutrologia da Disciplina de Gastroenterologia da FMUSP
Nidia Pucci - Nutricionista e Pesquisadora
O
estado nutricional de um indivíduo repercute decisivamente no
curso de qualquer patologia, seja ela infecciosa, inflamatória,
cirúrgica ou neoplásica, desempenhando papel relevante
na morbo-mortalidade do paciente.
A desnutrição
e os desvios nutricionais ocasionam redução da imunidade
e conseqüente aumento do risco de infecções, hipoproteinemia
e edema, redução da cicatrização de feridas,
aumento do tempo de internação e conseqüente aumento
dos custos hospitalares, entre outras conseqüências.
Particularmente
nas doenças do trato digestivo, a desnutrição se
agrava ainda mais em virtude de ocuparem o sistema de absorção
e digestão. A avaliação nutricional minuciosa pode
identificar e combater a desnutrição, minimizando seus
efeitos nocivos.
A
história clínica e nutricional de pacientes desnutridos
portadores de doenças gastrointestinais deve englobar:
- Avaliação
de fatores relacionados à redução da ingesta,
como anorexia e suas possíveis causas, presença de disfagia,
causas que expliquem náuseas ou vômitos, doenças
associadas, presença ou ausência de fístulas digestivas,
presença de diarréia, saciedade precoce, estado psicológico
do paciente e sensação de bem estar.
- Verificação
de hábitos dietéticos, enfatizando a qualidade e
quantidade dos alimentos ingeridos pelo paciente.
- Quantificação
da perda de peso. Perdas de peso menores do que 10% em seis meses
não acarretam conseqüências importantes; por outro
lado, perdas de peso entre 10% a 35% podem suscitar catabolismo intenso.
O
exame físico nutricional engloba o exame físico geral
e o exame direcionado para identificar sinais de desnutrição.
Deve-se verificar o estado de consciência, mobilidade, sinais
de depleção nutricional (diminuição do tecido
subcutâneo e da massa muscular), pele e fâneros (pele seca,
descamativa, pigmentada; edema; lesões; equimoses; unhas quebradiças;
cabelos secos, amarelados, sem brilho), língua, lábios
e dentes (queilite, glossite, perda das papilas linguais, fissuras labiais
e cáries).
A
escolha da técnica de rastreamento nutricional e do método
de avaliação nutricional a ser utilizado nas doenças
gastroenterológicas deve atender os seguintes pré-requisitos:
facilidade de execução e custo, adequação
à população atendida, inserção na
rotina do hospital, fornecimento de dados mínimos necessários
para a identificação de pacientes desnutridos ou em risco
nutricional e identificação dos pacientes que necessitam
de aporte nutricional suplementar à dieta.
As técnicas para rastreamento englobam métodos diretos
e indiretos de avaliação nutricional. Os métodos
diretos incluem:
- A avaliação
por meio de anamnese dietética e entrevista com o paciente
para obtenção de dados e informações referentes
a condições de alimentação (deglutição,
mastigação, digestão), melhor via para alimentação
(oral, enteral), patologias associadas, hábito intestinal.
- Exame físico
geral e nutricional em que se possa identificar sinais clínicos
de desnutrição, dados antropométricos [peso,
altura, índice de massa corpórea (IMC), prega cutânea
do tríceps (PCT), circunferência do braço (CB)
e circunferência muscular do braço (CMB)], devendo ser
realizado de acordo com técnicas e por profissional treinado
para a obtenção das medidas.
- Dosagens laboratoriais
que reflitam o estado nutricional (hemoglobina, hematócrito,
proteínas totais e frações, contagem total de
linfócitos e transferrina sérica). Outros métodos
diretos mais sofisticados e complementares de avaliação
nutricional englobam: a avaliação corpórea por
bioimpedância, técnica usada para determinar a massa
magra (músculos, ossos e vísceras) e massa gorda (tecido
gorduroso) do organismo e a densitometria óssea. A calorimetria
indireta determina o gasto energético basal do paciente e pode
ser utilizada para monitorização do aporte calórico
da terapia nutricional. Estes métodos são mais dispendiosos
porque utilizam equipamentos especiais.
A
antropometria é uma técnica amplamente difundida na prática
clínica, pois depende de equipamentos de fácil manejo
e apresenta resultados confiáveis. Em nosso meio, os dados antropométricos
de pacientes acamados são de difícil obtenção
porque grande parte dos hospitais não dispõe de camas-balança.
Nessas situações, a avaliação da estatura
é estimada por métodos indiretos.
As estimativas de peso e altura têm sido utilizadas através
das fórmulas de Chumlea, que se baseiam em medidas segmentares
tais como as medidas de ossos longos, circunferências das panturrilhas
e dos braços e a mensuração da prega cutânea
sub-escapular.
Os métodos indiretos são amplamente utilizados na prática
clínica, num questionário que leva em conta uma pontuação
e classificação do estado nutricional em função
dos dados obtidos da história e do exame físico; como
exemplo, citamos a avaliação nutricional subjetiva global
(ANSG) elaborada por Detsky.
Parâmetros
nutricionais freqüentemente utilizados na prática de avaliação
nutricional
A
- Classificação do estado nutricional segundo o IMC
Baixo
peso |
<
18,5 |
IMC
= peso atual (kg) / altura2 metros) |
Eutrofia |
18,5
- 24,9 |
|
Sobrepeso |
25
- 29,9 |
|
Obesidade
classe I |
30,0
- 34,9 |
|
Obesidade
classe II |
35,0
- 39,9 |
|
Obesidade
classe III |
>
40,0 |
|
B
- Medidas antropométricas
Medida |
Homens |
Mulheres |
Prega
cutânea do tríceps |
12,5
mm |
16,5
mm |
Circunferência
do braço (CB) |
29,3
cm |
28,5
cm |
Circunferência
muscular do braço (CMB) |
25,3
cm |
23,2
cm |
CMB
- CB (cm) - {0,314 x PCT mm} |
|
|
C
- Estimativa de peso
Fórmula
de Chumlea e cols, 1987: |
Homens:
(1,73 x CB) + (0,98 x CP) + (0,37 x PCS) + (1,16 x AJ) - 81,69 |
Mulheres:
(0,98 x CB) + (1,27 x CP) + (0,4 x PCS) + (0,87 x AJ) - 62,35 |
CB
= circunferência do braço (cm) / CP = circunferência
da panturrilha (cm) |
PCS
= prega cutânea subscapular (mm) / AJ = altura do joelho (cm) |
D
- Estimativa de altura
Homens
= [63,19 - (0,04 x idade)] + (2,02 x altura do joelho em cm) |
Mulheres
= [84,88 - (0,24 x idade)] + (1,83 x altura do joelho em cm) |
E
- Hemoglobina (g/100ml)
|
normal |
moderadamente
reduzido |
gravemente
reduzido |
Homens |
>
14 |
13,9
- 12 |
<
12,0 |
Mulheres |
<
12 |
11,9
- 10,0 |
<
10,0 |
F
- Hematócitro (%)
|
normal |
moderadamente
reduzido |
gravemente
reduzido |
Homens |
>
44 |
43
- 37 |
<
37 |
Mulheres |
<
38 |
37
- 31 |
<
31 |
Quadro 1 - Classificação
do estado nutricional considerando os cinco parâmetros autropométricos
e bioquímicos.
Medidas
/ estado nutricional |
normal |
desnutrição
leve |
desnutrição
moderada |
desnutrição
grave |
%
Perda de peso em 6 meses
% Peso ideal (PI) |
-------
> 90% |
-------
90-80% |
10%
80-60% |
>10%-
< 60% |
%
PCT |
>
90% |
90-80% |
80-60% |
<
60% |
%CMB |
>
90% |
90-80% |
80-60% |
<
60% |
Albumina
(mg/dL) |
>
3,5 |
3,5
- 3,0 |
3,0
- 2,1 |
<
2,1 |
Transferrina
(mg/dL) |
>
200 |
200
- 15 |
150
- 100 |
<
100 |
Linfócitos
(mm3) |
>
1.500 |
1.500
- 1.200 |
1.200
- 800 |
<
800 |
Blackburn e cols
(1977).
Os valores limites estão expressos em porcentagem ou números
absolutos.
Balanço Nitrogenado
O balanço nitrogenado consiste no cálculo da diferença
entre o nitrogênio ingerido e o excretado, permitindo avaliar
o estado catabólico ou anabólico. Balanço nitrogenado
negativo cronicamente indica evolução clínica desfavorável.
Balanço
nitrogenado (BN) = nitrogênio ingerido (NI) - nitrogênio
excretado (NE) (BN = NI - NE), em gramas.
(NI) = proteínas
ingeridas + proteínas infundidas / 6,25
6,25 porque a proteína tem 16% de nitrogênio (100:16
= 6,25).
(NE) = N urinário
uréico (24h) + N urinário não-uréico + N
fecal + N pele + N sonda nasogástrica + N fístulas
N urinário não-uréico (NUNU) = N uréico
urinário (NUU) X 0,2
N urinário uréico (NUU) = uréia urinária
de 24 horas x 0,47
N fecal = 1 a 2g/dia sem diarréia
N pele = 0,1 a 0,49/m2/dia
Ou, simplificadamente:
NE = [uréia urinária de 24h (g) x volume urinário
de 24h (L)] x 0,47 +4g
|