FUGESP
Revista de Gastroenterologia da Fugesp - INFLUÊNCIA DA PRESSÃO ABDOMINAL
Jan/Fev-2002

ENDOSCOPIA EM AÇÃO

Paulo Sakai
Livre-Docente do Departamento de Gastroenterologia da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

TRATAMENTO ENDOSCÓPICO DAS VARIZES HEMORRÁGICAS DO ESÔFAGO: ESCLEROTERAPIA OU LIGADURA ELÁSTICA ?

Apesar do progresso no conhecimento da fisiopatologia e formas de controle da hemorragia por ruptura das varizes esofágicas, não há ainda método terapêutico ideal. Contudo, o método endoscópico através da escleroterapia e ligadura elástica das varizes tem sido o mais aceito, tanto na fase aguda da hemorragia quanto na fase eletiva. O controle da hemorragia e a prevenção das recidivas são os fatores fundamentais que têm modificado a história natural das varizes esofágicas sangrantes, proporcionando significativo aumento do período sem recidiva hemorrágica, conforme demonstram estudos controlados realizados em pacientes cirróticos ou com esquistossomose.

O método endoscópico não consegue controlar a hemorragia aguda ou as recidivas posteriores em aproximadamente 10% dos casos, nos quais está indicado o tratamento cirúrgico ou a derivação pelo TIPS.

Uma alternativa terapêutica nos pacientes cirróticos descompensados é a obliteração das varizes com a injeção do adesivo tissular, cianoacrilato, preconizado por Soehendra (1986). Esta substância é injetada por via endoscópica e é utilizada também com sucesso no tratamento das varizes de fundo gástrico.

O transplante hepático é considerado atualmente uma alternativa terapêutica definitiva para os cirróticos e o tratamento endoscópico tem importante função neste contexto.

ESCLEROTERAPIA DAS VARIZES ESOFÁGICAS

Após a primeira sessão de escleroterapia, cerca de 30% dos pacientes apresentam recidiva hemorrágica na fase precoce de 24 a 72 horas. Nesta situação está indicada a repetição da escleroterapia ou a colocação de um balão esofágico, que será insuflado por um período de 6 a 12 horas e, ao ser desinsuflado procede-se a complementação imediata da escleroterapia.

Aproximadamente 10 a 20% dos pacientes são refratários ao controle da hemorragia pela escleroterapia, e a estes pacientes está reservada a opção cirúrgica de emergência. Atualmente, observa-se a tendência favorável ao procedimento menos invasivo e, quando for disponível, a derivação portossistêmica intra-hepática transjugular (TIPS) é a opção de preferência. A repetição das sessões de escleroterapia é necessária com o intuito de se erradicar completamente as varizes.

O estudo prospectivo realizado no nosso Serviço em 149 pacientes, sendo 78 portadores de esquistossomose e 71 com cirrose, e com seguimento de 67 ~ 91 meses demonstrou: 1) controle da recidiva hemorrágica em 93% dos pacientes esquistossomóticos e 67% nos cirróticos; 2) sobrevida de 92,6% no primeiro grupo de pacientes e 28,3% nos cirróticos no período de seguimento; 3) a reserva hepática funcional foi fator fundamental no controle definitivo da recidiva hemorrágica. As complicações mais freqüentes em ambos os grupos foram: dor retroesternal (60%), odinofagia e disfagia (55%) e febre (28%). Estas complicações não apresentaram diferença estatisticamente significativa entre ambos os grupos e foram tratadas sintomaticamente, apresentando resolução espontânea em 24 ~ 48 horas. A reserva hepática funcional demonstrou ser fator fundamental nos resultados da escleroterapia no controle definitivo da recidiva hemorrágica. Assim, o controle foi possível em 88% dos pacientes cirróticos classificados como Child A., em contraposição aos 47% obtidos com pacientes Child C. Os resultados, expressivamente piores em pacientes com grau avançado de insuficiência hepatocelular, possivelmente indicam falha dos mecanismos de coagulação e cicatrização, fundamentais na obliteração das varizes esofágicas. Os pacientes com esquistossomose, por não terem apresentado insuficiência hepática e outras complicações graves, se beneficiaram de maneira plena com o tratamento.

LIGADURA ELÁSTICA DAS VARIZES ESOFÁGICAS

A ligadura elástica das varizes esofágicas é um método de tratamento endoscópico, introduzido por Stiegmann e cols. (1986). O método é baseado nos princípios da ligadura elástica de hemorróidas, sendo as varizes aspiradas para dentro de um adaptador na extremidade do endoscópio e em seguida ligada com um pequeno anel elástico acondicionado num cilindro que o libera ao ser tracionado.

Os resultados da pesquisa multicêntrica com este método não apresentam diferença estatisticamente significante com a escleroterapia, quando se compara o índice de erradicação das varizes, recidiva hemorrágica e número de sessões dos procedimentos. Entretanto, quando se compara o item complicações, a incidência é significativamente maior no grupo de escleroterapia. Este aspecto tem sido o consenso geral com este método na literatura e na experiência do nosso Serviço.

O método de ligadura é uma alternativa à escleroterapia com grande aceitação neste momento, em vista da simplicidade, eficácia e baixa morbidade. Com a introdução no mercado de dispositivos que permitem ligaduras múltiplas de 4 a 10, o método se tornou mais prático. Assim, este método tem sido de nossa preferência no tratamento das varizes esofágicas na fase não hemorrágica e, também, durante a hemorragia ativa desde que as condições de visibilidade do campo permitam.

As ulcerações ocorrem sistematicamente em todas as ligaduras depois da queda do elástico na primeira semana; elas são superficiais e mais extensas, comparadas com as ulcerações pós-escleroterapia. Nesta situação, a hemorragia pode ocorrer, principalmente, em pacientes com cirrose descompensada por alteração nos fatores de coagulação. Outras complicações relacionadas com a ligadura elástica referem-se a disfagia por impactação de alimentos sólidos e soltura precoce das bandas elásticas. As solturas podem ocorrer com freqüência com as ligaduras sobre varizes previamente tratadas através da escleroterapia.

ESCLEROTERAPIA OU LIGADURA ELÁSTICA?

Na realidade, ambos os métodos são efetivos na erradicação das varizes esofágicas, embora com maior índice de complicações com a escleroterapia. Entretanto, no seguimento a longo prazo, tem-se observado recidiva mais freqüente das varizes esofágicas no grupo dos pacientes tratados com ligadura elástica. Este fato é explicado pela existência das veias perfurantes, que comunicam as veias paraesofágicas com a rede venosa submucosa. Com a escleroterapia, as veias perfurantes são também esclerosadas durante a injeção intravaricosa do esclerosante. Este fenômeno não ocorre com a ligadura elástica, porquanto o intuito é a erradicação das varizes no nível da mucosa.

A nossa preferência é o emprego de rotina de ambos os métodos, com a denominação de tratamento combinado. Isto é: iniciamos o tratamento com a ligadura elástica, e após 2 a 3 sessões em intervalos de 10 a 14 dias, complementamos com a escleroterapia. As varizes remanescentes pós ligadura elástica apresentam-se em segmentos curtos entre as ligaduras ou em forma de varizes finas, e são erradicadas de forma mais efetiva com a escleroterapia.

Portanto, no nosso Serviço a escleroterapia e a ligadura elástica continuam sendo usadas de forma combinada, um método complementando o outro.

 

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