PANCREATITE
CRÔNICA
Cláudia de Oliveira Marques
DEFINIÇÃO
Pancreatite
Crônica é definida quando há lesão anatômica progressiva e irreversível
da glândula pancreática, caracterizada por destruição do parênquima
glandular com substituição por fibrose, atrofia glandular e dilatação
canalículo-acinar.
ETIOLOGIA
E CLASSIFICAÇÃO
Existem
dois tipos de pancreatites crônicas (PC): as calcificantes (PCC) e as
obstrutivas (PCO). As calcificantes, assim denominadas por apresentarem
calcificações ao longo do parênquima pancreático, são as mais comuns.
Entre elas, há as pancreatites crônicas alcoólicas, hereditárias,
idiopáticas, nutricionais e metabólicas. As obstrutivas são mais raras,
denominadas assim por apresentarem obstáculo geralmente na sua porção
cefálica, dificultando a drenagem do suco pancreático, o que por fim
acarreta atrofia glandular. Entre elas, lembramos o câncer de papila,
câncer intraductal, estenose cicatricial do Wirsung, pâncreas divisum,
etc.
Aproximadamente
90% das PC são secundárias ao alcoolismo. Em nosso meio, Mott, Guarita
e col, estudando 545 casos de PC, observaram que 93,4% dos pacientes
estudados no ambulatório de pâncreas do HC-FMUSP tinham o álcool como
fator etiológico mais importante (Tabela 1).
Tabela
1 - Fatores Etiológicos
Álcool |
509
(93,4%) |
Idiopático |
24
(4,4%) |
Hereditário |
4
(0,7%) |
Nutricional |
3
(0,5%) |
Metabólico |
3
(0,5%) |
Obstrutivo |
2
(0,3%) |
O consumo
de álcool necessário para desenvolver PCC é de aproximadamente 100-200g
de etanol puro diários, em geral com um tempo de consumo maior que 10
anos. Qualquer tipo de bebida alcoólica, fermentada (cerveja, vinho,
champanhe) ou destilada (pinga, uísque, vodca) pode determinar PCC.
Na verdade, o consumo diário excessivo(acima de 100-200g/dia), independentemente
do tipo de bebida, é o fator relevante. Contudo, sabe-se que os destilados
têm teor alcoólico maior e necessitam de quantidades menores para ultrapassarem
100-200g/dia. Segundo o mesmo estudo de Mott e col, cerca de 99% dos
pacientes com PCC ingeriam destilados, com consumo alcoólico
em média de 350g de etanol por dia (Tabela 2).
Tabela
2 - Características do Consumo Alcoólico
Idade
do Início da Ingestão |
Cerca
de 20 anos |
Idade
do Início dos Sintomas |
Cerca
de 35 anos |
Consumo
Alcoólico |
350g/etanol/dia |
Tempo
de consumo |
Cerca
de 20 anos |
Tipos
de bebidas: destilados |
99%
dos pacientes |
fermentados |
1%
dos pacientes |
FISIOPATOLOGIA
da PCC (ALCOÓLICA)
A ingestão
crônica de álcool determina alterações bioquímicas na composição do
suco pancreático, principalmente no que se refere a hiperconcentração
protéica. Um dos eventos iniciais é o aparecimento de tampões protéicos
na luz dos ductos pancreáticos. Este material amorfo rico em proteínas
é constituído, além das enzimas pancreáticas, por uma proteína de baixo
peso molecular denominada de litostatina. Esta litostatina encontra-se
reduzida em pacientes com PCC, sugerindo que a redução desta proteína
é um importante fator na litogênese pancreática.
A rolha
ou tampão protéico é a primeira etapa para formação dos cálculos; posteriormente
sais de cálcio se depositam na matriz protéica calcificando-as. Estes
cálculos lesam o epitélio de revestimento ductal, determinando sua atrofia,
estenose, dificuldade de drenagem, fibrose gradual e conseqüente dilatação
do ducto pancreático.
CARACTERÍSTICAS
CLÍNICAS
As principais características clínicas da PCC são:
- Incidência maior
no sexo masculino.
- Idade do início
dos sintomas entre 25 a 40 anos.
- Consumo alcoólico
200-250g álcool/ dia por mais de 10 anos.
- Dor abdominal
contínua, localizada no andar supramesocólico, em geral no epigástrio,
com irradiação em faixa para HD, HE e dorso, de intensidade moderada
a forte, podendo durar horas a dias. Geralmente desencadeada por ingestão
de gorduras ou pela ingestão alcoólica.
- Perda de peso
importante, resultante da diminuição do apetite e da má-absorção (esteatorréia).
- Má-Absorção -
caracterizada principalmente pela presença de esteatorréia, geralmente
é um sintoma tardio, quando mais de 90% da glândula foi destruído.
- Diabetes - geralmente
também é manifestação tardia da PCC.
COMPLICAÇÕES
As principais complicações
da PCC são:
- Icterícia nas
agudizações, por compressão do colédoco terminal pelo processo inflamatório.
- Cisto Pancreático
(pseudocisto).
- Derrames Cavitários
(ascite pancreática, derrame pleural).
- Necrose Pancreática.
- Abcessos.
- Fístulas.
- Hemorragia Digestiva.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico
é baseado na história clínica, em pacientes com antecedente de alcoolismo
excessivo por tempo prolongado, acrescido de exames complementares.
Os principais exames complementares que auxiliam o diagnóstico são os
laboratoriais e os de imagem. A glicemia de jejum, o teste de tolerância
de glicose e a dosagem de gordura nas fezes avaliam, respectivamente,
o comprometimento funcional endócrino e exócrino da glândula. A amilasemia,
amilasúria e lipasemia só se encontram elevados nas agudizações da PCC,
pouco ajudando no diagnóstico desta entidade. O hemograma pode ser útil
para detectar alterações crônicas dos alcoólatras crônicos, nas complicações
como abcessos e hemorragias. O teste funcional com secretina pode ser
útil nos casos de PC incipiente, onde os métodos de imagem ainda não
detectaram alterações morfológicas importantes. Contudo, desde a descoberta
da Ultra-sonografia, seguida posteriormente da Tomografia Computadorizada
de Abdome e, mais modernamente, da Ressonância Nuclear Magnética, o
diagnóstico da PC tem se tornado bem mais acessível.
TRATAMENTO
O
tratamento da PCC é preferencialmente conservador, através de:
- Abstinência alcoólica.
- Apoio psicológico.
- Dieta hipercalórica,
hipogordurosa, com triglicérides de cadeia média.
- Reposição de
vitaminas lipossolúveis.
- Reposição de
enzimas digestivas com alto conteúdo de lipase durante refeições (pancreatina).
- Aumentar PH gástrico
para aumentar efeito da lipase.
- Controle do Diabetes,
geralmente efetuado com insulina.
- Analgésicos não
opiáceos para dor. A própria reposição enzimática reduz a dor.
O tratamento cirúrgico
impõe-se em algumas situações como:
- Dor recorrente
e clinicamente de difícil controle.
- Obstrução biliar.
- Obstrução duodenal.
- Necrose pancreática
infectada.
- Abcessos.
- Pseudocistos
complicados.
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