GASTRITES
Cláudia
de Oliveira Marques
Antonio A Laudanna
Define-se genericamente
o termo gastrite como sendo um processo inflamatório da mucosa gástrica,
evidenciado essencialmente pelo exame microscópico, podendo em outras
ocasiões ser evidenciado pelo exame endoscópico.
Todavia,
o termo gastrite tem sido atribuído e empregado de forma inadequada
e abusiva em muitas ocasiões, tanto por pacientes como por médicos,
para nomear sintomas dispépticos (queimação, flatulência,
plenitude pós-prandial, sensação de peso e eructações freqüentes).
Estes
sintomas podem estar presentes em pacientes com gastrite como também
podem ocorrer em pacientes com mucosa gástrica normal.
CLASSIFICAÇÃO
Diversas
classificações baseadas em aspectos clínico-patológicos, patogenéticos
e endoscópicos foram utilizadas para estadiar as gastrites;
contudo, em 1991, diversos pesquisadores gastroenterologistas, endoscopistas
e patologistas reuniram-se em Sydney, na Austrália, com intuito de racionalizar
a confusão criada pelas inúmeras classificações, criando uma
nova classificação denominada de Sydney, que visava a simplificar a
classificação das gastrites. Essa classificação, porém, foi revista
em 1996 e também não conseguiu caracterizar adequadamente a classificação
das gastrites. Na verdade, a classificação de Sydney (Quadro1)
é mais uma sistematização do que uma classificação.
As
gastrites expressam-se habitualmente por enantema, com ou sem erosões.
A sistematização de Sydney procurou definir o aspecto endoscópico,
histológico e etiológico, sempre que possível.
Em virtude de as alterações endoscópicas poderem ser de todo o estômago,
focais, erosivas e hemorrágicas, empregam-se os diagnósticos seguintes
(como exemplos):
- pangastrite
enantematosa
- antrite (que
acomete só o antro)
- erosiva de corpo
- hemorrágica
e assim por diante.
Ao
diagnóstico endoscópico, ainda pode-se acrescentar o aspecto micronodular
sugestivo de infecção pelo H. pylori ou erosiva hemorrágica
sugestiva de lesão por AINES.
Quadro
1 - Classificação das gastrites com base na topografia, morfologia e
etiologia, segundo o Sistema Sydney revisto em 1996.
TIPO
DE
GASTRITE |
FATORES
ETIOLÓGICOS |
SINÔNIMOS
EMPREGADOS |
Não-Atrófica |
H. pylori
Outros fatores? |
Tipo B
Superficial
Gastrite
Antral Crônica |
Atrófica autoimune
Atrófica Multifocal |
Autoimunidade
H. pylori
Dieta
Fatores Ambientais? |
Tipo A
Difusa
do Corpo
Associada
a Anemia Perniciosa
Tipo B
Ambiental
Metaplástica |
Formas
Especiais
Química
Granulomatosas
Não-Infecciosas
|
-
AINES
- Bile
- Irritação química
Doença
de Crohn
Sarcoidose
Vasculites
Corpo Estranho
Idiopática |
-
Gastropatia por AINES
- Refluxo
- Reativa |
Linfocítica |
Idiopática
Celíaca
Mecanismos Imunes
Drogas |
Associada a Doença Celíaca |
Eosinofílica |
Sensibilidade
alimentar |
Alérgica |
Infecciosas |
Vírus
Fungos
Bactérias (não H. pylori)
Parasitas |
Flegmonosa |
Atualmente,
tem-se enfatizado mais o aspecto etiológico e utilizado uma terminologia
mais moderna, onde se tenta distinguir gastrite de gastropatia.
As
gastrites referem-se a lesão epitelial na mucosa gástrica
com presença de infiltrado inflamatório, e as gastropatias
referem-se a lesão epitelial da mucosa gástrica na ausência
de infiltrado inflamatório.
Exemplo
desta última é a gastropatia causada por AINES (antiinflamatórios
não hormonais), onde existe lesão do epitélio gástrico, porém sem inflamação,
não tendo diagnóstico histológico de gastrite.
De
forma simplificada podem-se classificar as gastrites segundo a etiologia
em:
1.
Gastrite por Helicobacter pylori
2. Gastrite
Atrófica
- Autoimune
- Ambiental
3. Gastropatia
por AINES
4. Gastropatia
Química |
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|
5.
Gastrite Infecciosa
- Tuberculose
- Sífilis
6. Gastrite
Granulomatosa
- Doença
de Crohn
- Sarcoidose
7. Gastrite
Eosinofílica
8. Gastrite
Lonfocítica
9. Gastrite
Hiperplásica |
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1)
Gastrite Causada pelo Helicobacter pylori
A
gastrite causada pelo Helicobacter pylori é uma das formas mais
comuns de gastrite, principalmente das gastrites crônicas.
Pode
se apresentar sob a forma aguda ou crônica.
A forma
aguda ocorre quando o indivíduo tem sua primeira infecção pelo
Helicobacter pylori, nesta fase existe um infiltrado neutrofílico
e eosinofílico na lâmina própria, edema, congestão e re-epitelização
celular.
À endoscopia,
podem-se verificar hiperemia, erosões, ulcerações e friabilidade da
mucosa.
Geralmente
nesta fase os pacientes são assintomáticos; todavia alguns podem
apresentar desconforto gástrico, dor epigástrica, náuseas e vômitos.
A persistência desta bactéria acarreta um quadro de gastrite
crônica caracterizada pela infiltração na mucosa gástrica de linfócitos
e plasmócitos, podendo apresentar também atrofia glandular.
A
sintomatologia digestiva em pacientes com gastrite crônica causada pelo
Helicobacter pylori é muito variável, desde pacientes assintomáticos
até pacientes com excessivas queixas dispépticas.
Por
este motivo, por vezes, existe uma grande dificuldade de relacionar
os sintomas digestivos à gastrite crônica causada pelo Helicobacter
pylori. Muitos pacientes são tratados e continuam com os sintomas
digestivos, assim como muitos albergam a bactéria e são assintomáticos.
Em nosso meio, segundo estudo feito na Disciplina de Gastroenterologia
do HC-FMUSP, 62% da população completamente assintomática
alberga o Helicobacter pylori.
O diagnóstico
é realizado pelo exame histológico onde, além de se visualizar o processo
inflamatório (gastrite), visualiza-se a bactéria espiralada na mucosa
gástrica. Outros métodos diagnósticos não invasivos, como o Teste
expiratório ("Breath Test") com uréia marcada com Carbono 13
ou 14, Teste da Urease ou Teste Imunológico por Elisa,
podem ser utilizados para o diagnóstico de infecção pelo Helicobacter;
contudo não diagnosticam gastrite.
O
tratamento da gastrite por Helicobacter pylori tem sido efetuado
com intuito de erradicar a bactéria, aliviar sintomas,
prevenir desenvolvimento de úlcera péptica e prevenir transformação
neoplásica, principalmente quando existe atrofia ou história familiar
de câncer.
2)
Gastrites Atróficas
As
gastrites atróficas podem ser autoimunes ou ambientais. A gastrite
autoimune, denominada também Anemia Perniciosa, como o próprio nome
sugere, apresenta evidências imunológicas de se tratar de uma doença
autoimune. Grande parte dos portadores deste tipo de gastrite apresenta
anticorpo anti-célula parietal que pode desempenhar papel importante
na destruição das células parietais. Caracteriza-se por uma atrofia
das glândulas do corpo e fundo gástrico, hipocloridria,
hipergastrinemia, deficiência do fator intrínseco e conseqüentemente
deficiência de vitamina B12.
Pode
ser assintomática do ponto de vista gastrointestinal, podendo apresentar-se
como um quadro de anemia e neuropatia por deficiência de vitamina B12.
Ao
exame endoscópico verifica-se redução das pregas mucosas de corpo
e fundo que correspondem a atrofia glandular visualizada por meio
de exame histopatológico. Os pacientes com gastrite atrófica invariavelmente
desenvolvem áreas de metaplasia intestinal do tipo intestinal ou pilórica
e apresentam risco de desenvolver neoplasia gástrica em três a cinco
vezes superior aos indivíduos-controles.
O
tratamento é eminentemente de suporte, com reposição de vitamina
B12 e seguimento periódico destes doentes para rastrear neoplasia
gástrica.
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Gastrite
Atrófica
Note o desaparecimento
das pregas da mucosa e adelgaçamento da mesma, o que
permite a visibilisação de vasos.
Obs.
do Dr. Shinishi Ishiota
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3)
Gastropatias por AINES (antiinflamatórios não hormonais)
Os
AINES provocam lesão na mucosa gastroduodenal por: mecanismo sistêmico
(responsável por 80% dos casos) e por mecanismo tópico.
No
mecanismo sistêmico, há enfraquecimento dos fatores defensivos
da mucosa por inibição da cicloxigenase, enzima essencial para produção
de prostaglandinas.
No
mecanismo tópico há efeito tóxico direto à mucosa por aumento
da permeabilidade celular, inibição do transporte iônico
e da fosforilação oxidativa. Ambos os mecanismos reduzem as
propriedades defensivas da mucosa, expondo-a ao efeito deletério do
ácido.
Aproximadamente
10-20% dos pacientes que usam AINES apresentam dispepsia. Contudo, não
existe boa correlação entre a presença e intensidade das lesões
induzidas por AINES e sintomas clínicos.
Pacientes
podem apresentar hemorragia digestiva severa ou perfuração sem que
tenham tido algum sintoma prévio ao início do quadro, ou podem apresentar
queixas dispépticas importantes como dor, náusea, queimação, flatulência,
sem que haja lesões importantes vistas à endoscopia.
Aproximadamente
30-40% das úlceras induzidas por AINES são assintomáticas.
Alguns
fatores de risco estão relacionados à gastropatia por estas drogas:
Idade
> 60 anos, história prévia de úlcera, uso concomitante
de corticosteróide, altas doses de AINES ou uso de mais
de um AINES, administração concomitante de anticoagulantes,
tabagismo, etilismo, presença do H. pylori.
A mortalidade estimada para pacientes hospitalizados por sangramento
gastrointestinal secundário ao uso de AINES encontra-se em torno de
5-10%.
Demonstrou-se
que os inibidores de bomba protônica (omeprazol, lanzoprazol) são superiores
tanto na profilaxia como no tratamento das lesões gastroduodenais induzidas
por AINES, quando comparados com os bloqueadores H2. E segundo
os últimos trabalhos publicados, pacientes assintomáticos sem quadro
dispéptico não devem receber tratamento profilático com bloqueadores
H2; porém, podem receber omeprazol ou lanzoprazol, ou análogo
da prostaglandina que é o misoprostol. Ressaltamos que esta última droga
é a única medicação aprovada pelo FDA (Food and Drug Administration)
para profilaxia das úlceras gastroduodenais induzidas por AINES. Contudo,
devido aos efeitos colaterais como diarréia e abortamento que esta droga
pode promover, associados à dificuldade de aquisição desta droga no
Brasil, o misoprostol não é utilizado rotineiramente. A introdução de
novas drogas antiinflamatórias, que inibem seletivamente a cicloxigenase
tipo II (COX-2), parece ser o maior avanço na proteção e profilaxia
das lesões gastroduodenais induzidas por AINES. O celecoxib e rofecoxib
são antiinflamatórios mais bem tolerados pela mucosa gástrica em relação
aos demais.
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Gastrite
Hemorrágica causada por AINES.
Obs.
da Dra. Claudia P. M. de Oliveira
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4)
Gastropatia Química e Formas Raras de Gastrite
Os
sais biliares e as enzimas pancreáticas podem causar gastropatia porque
são substâncias detergentes, que quebram a barreira mucosa permitindo
a retrodifusão de íons H+, lesando a célula.
Outras
formas mais raras de gastrite são as infecciosas (citomegalovírus, toxoplasmose,
fúngica, tuberculosa e sifilítica) e as denominadas eosinofílicas, onde
há intenso infiltrado inflamatório eosinofílico, e linfocíticas, onde
há infiltrado inflamatório linfocítico. Esta última está associada a
doença celíaca, doença de Ménétrier e colite colágena. As gastrites
granulomatosas podem ser encontradas na doença de Crohn e sarcoidose.
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