DOENÇA
CELÍACA II
Dr. Alberto Queiroz Farias
Pesquisador da Disciplina Gastroenterologia Clínica da FMUSP
QUADRO
CLÍNICO
Quatro
formas clínicas principais da doença celíaca são
identificadas.
- Doença
Celíaca potencial: tem sido aplicada aos portadores de
anormalidades imunológicas semelhantes às encontradas
nos celíacos manifestos, embora, a rigor, essas pessoas ainda
não tenham critérios para o diagnóstico da doença.
Tais
anormalidades compreendem a presença do antiendomísio;
aumento dos linfócitos intra-epiteliais e da densidade de
gama-delta; sinais de ativação de células
imunes da mucosa (expressos pelo CD25) e de moléculas
de adesão na lâmina própria, principalmente após
exposição ao glúten.
- Doença
Celíaca latente: designa aqueles pacientes que recuperaram
a mucosa após a exclusão do glúten da dieta.
- Doença
Celíaca assintomática: caracterizada pela falta
de resposta a uma dieta comprovadamente sem glúten.
- Doença
Celíaca na infância: comumente diagnosticada nos
primeiros dois anos de vida e
- Doença
Celíaca no adulto: diagnosticada em torno dos 30 anos de
vida.
As manifestações clínicas típicas da doença
são comuns a qualquer doença que produza má-absorção.
Os sinais e sintomas de má-absorção são
os dados clínicos que se destacam tanto em pacientes pediátricos
como em pacientes adultos.
Quadros atípicos
como sintomas dispépticos, anemia ferropriva, ataxia ou elevação
de enzimas hepáticas também fazem parte do espectro de
manifestações da doença.
A
doença celíaca pode estar associada a outras doenças,
geralmente de natureza auto-imune, como por exemplo o diabetes.
A dermatite
herpetiforme atualmente é melhor caracterizada como uma manifestação
extra-intestinal do que como uma doença associada.
No entanto, ainda
não está claro na literatura se as diferenças epidemiológicas
refletem simplesmente a composição da dieta nas diferentes
localidades geográficas do mundo ou se se devem a outros fatores
como o perfil imunogenético da população, ou ainda
a uma subestimativa do diagnóstico.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico
é alcançado por dados laboratoriais e pelo resultado da
biópsia. Exames de laboratório:
- pesquisa
de auto-anticorpos celíacos. Os anticorpos celíacos
prestam-se, além de marcadores diagnósticos, à
investigação de familiares e indivíduos de risco
e como marcadores da transgressão dietética, pois estão
associados à persistência de atividade da doença.
- pesquisa
de anticorpo antigliadina (alfa-gliadina do glúten, agente
etiológico da Doença Celíaca).
- pesquisa de
anticorpo antiendomísio, mais sensível e mais específico;
porém o antiendomísio falha em alguns casos de dermatite
herpetiforme e de deficiência de IgA.
Endoscopia
Digestiva: no duodeno, o serrilhamento de pregas da segunda porção
duodenal, a diminuição do número de pregas, o padrão
reticular em mosaico, a identificação de vasos submucosos,
refletindo a atrofia da mucosa e a presença de micronódulos
levam a uma forte suspeita de doença celíaca e orientam
a realização de biópsia da mucosa, independentemente
da presença de quadro clínico.
Anatomopatologia
da biópsia do duodeno por via endoscópica: a mucosa normal
apresenta uma relação vilo/cripta de 3/1 e a presença
de no máximo 20% de linfócitos intra-epiteliais (sendo
90% de CD8); eventualmente, até 10% deste infiltrado pode ser
formado por linfócitos gama-delta.
Na
doença celíaca há perda destas características;
fica evidente a atrofia da mucosa e o aumento da densidade de linfócitos
intra-epiteliais, particularmente dos gama-delta, que podem chegar a
formar 30% do infiltrado.
TRATAMENTO
O tratamento clássico
consiste na exclusão do glúten da dieta, encontrado no
trigo, aveia, centeio e cevada.
De acordo com o
Codex Alimentarius da Organização Mundial de Saúde,
a dieta aceitável para o celíaco deve conter até
10 mg de prolaminas por 100 gramas de grãos ou até
50 mg de glúten. A dieta ocidental normal contém 13
gramas de glúten, portanto mais de 260 vezes o máximo
permitido.
A controvérsia
quanto às dietas contendo aveia persiste. Em pequena quantidade,
a aveia parece não ser tão prejudicial in vivo, como os
estudos in vitro sugerem.
Embora pareça
simples, a adesão a uma dieta estritamente sem glúten
não é fácil, pois o glúten é componente
de muitos produtos industrializados e de difícil identificação
nos rótulos. No Brasil, uma lei federal determina a impressão
de uma advertência nos rótulos dos produtos industrializados,
facilitando o reconhecimento destes produtos.
As associações
de pacientes celíacos do Brasil constituem outro auxílio
com o qual os pacientes podem contar para orientação da
sua dieta. Alguns casos não melhoram com a dieta de exclusão
de glúten e são candidatos a tratamento com imunossupressão,
geralmente com corticosteróides.
Existem poucos
estudos sobre o prognóstico a longo prazo da doença celíaca.
Entretanto, várias complicações malignas e não
malignas têm sido descritas como o esprue refratário, a
jejunoileite ulcerativa e uma maior predisposição ao linfoma
e ao adenocarcinoma do delgado.
Trata-se de uma
enzima intracelular, dependente de cálcio, que catalisa uma ligação
covalente entre proteínas, bem como a desaminação
da gliadina e outras proteínas.
De interesse na
patogenia da doença celíaca é a propriedade da
transglutaminase desaminar a gliadina, gerando resíduos ácidos
e com cargas negativas de ácido glutâmico.
Como os resíduos com cargas negativas são preferidos nos
bolsões 4, 6 e 7 do HLA DQ2, essas moléculas desaminadas
despertam respostas mais intensas das células T.
A gliadina da dieta
atinge a lâmina própria e, em indivíduos geneticamente
predispostos, é apresentada a células que possuem antígenos
profissionais como as células B e macrófagos, que dirigem
a resposta das células T para a produção de anticorpos
(resposta tipo Th1) ou para a inflamação e remodelamento
da mucosa (Th2).
As células
Th1 produzem TNF, que leva à liberação de metaloproteinases
dos fibroblastos intestinais, que por sua vez estão envolvidas
tanto na degradação da matriz não colágena
como nas fibrilas colágenas.
Surge infiltrado
inflamatório, com células mononucleares e com fibroblastos,
que também são fontes da Ttg, o que aumenta ainda mais
a ativação imune pela desaminação da gliadina
ou pela formação de ligação cruzada entre
proteínas.
O aumento do número
de linfócitos intra-epiteliais, particularmente dos linfócitos
gama-delta, é uma característica histológica importante
da doença celíaca.
As infecções
gastro-intestinais e as deficiências nutricionais seriam os fatores
responsáveis pelo desencadeamento da doença.
Todavia não
se sabe exatamente como atuariam, talvez facilitando a lesão
da mucosa e o ingresso da gliadina na lâmina própria.
NOTA: A complementação deste artigo sobre doença
celíaca será publicada no próximo número
desta revista (DOENÇA CELÍACA II).
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