CONCEITO
A doença
celíaca é uma enfermidade provocada pela intolerância
permanente às proteínas do glúten, particularmente
à gliadina. Caracteriza-se por atrofia da mucosa do intestino
delgado e conseqüente síndrome de má-absorção,
em indivíduos geneticamente predispostos.
EPIDEMIOLOGIA
A
doença celíaca é praticamente cosmopolita. De um
modo geral, a prevalência da doença parece ser de cerca
de 1/1000, acometendo com igual freqüência crianças
de ambos os sexos, porém nos adultos a doença acomete
duas vezes mais pessoas do sexo feminino.
As formas sintomáticas
da doença celíaca são dez vezes mais freqüentes
na Suécia do que na Dinamarca, dois países da mesma localidade
geográfica, habitados por povos com praticamente a mesma constituição
racial e cultural.
Um
dos fatores aventados para explicar essas diferenças refere-se
à composição da alimentação dos lactentes,
que é extremamente rica em glúten na Suécia.
Hoje
se sabe, graças ao exemplo escandinavo, que a introdução
tardia do glúten na dieta retarda o início da sintomatologia
e reduz as formas típicas tanto no adulto como na criança.
No entanto, ainda
não está claro na literatura se as diferenças epidemiológicas
refletem simplesmente a composição da dieta nas diferentes
localidades geográficas do mundo ou se se devem a outros fatores
como o perfil imunogenético da população ou ainda
a uma subestimativa do diagnóstico.
ETIOLOGIA
A doença
celíaca é atualmente considerada uma doença de
etiologia multifatorial e possivelmente poligênica.
Embora se saiba
que fatores como a composição da dieta, refletindo o teor
de gliadina, a susceptibilidade imunogenética, ligada principalmente
às moléculas de HLA, e a resposta humoral altamente específica
representada pelos anticorpos antiendomísio sejam fundamentais
na patogenia da doença, outros fatores adicionais como infecções
bacterianas e virais e a idade do início da exposição
ao glúten parecem modular o surgimento da doença ou as
suas manifestações.
Embora as descrições
iniciais tenham estabelecido uma relação entre o consumo
de alimentos à base de trigo e a doença celíaca,
outros cereais também são importantes na patogenia da
doença como o centeio e a cevada e, em menor grau, a aveia, o
que se explica pela relação taxonômica muito próxima
entre eles.
PATOGENIA
Fatores
genéticos seguramente estão implicados na patogenia da
doença celíaca, como exemplificados pela associação
de familiares de primeiro grau acometidos, pela alta concordância
entre gêmeos monozigóticos, e ainda pela associação
freqüente com outras doenças de natureza auto-imune.
Dentre os fatores
genéticos, a susceptibilidade conferida pelas moléculas
de HLA tem sido extensamente avaliada na literatura, principalmente
com o HLA DQ2.
De fato, o alelos
DQA1*0501 e DQB1*0201, do DQ2, estão presentes em mais de 92%
dos celíacos, enquanto alelos DQA1*0301 e DQB1*0302, DQ8, são
encontrados na menor parte dos casos.
No entanto, esses
alelos marcam a susceptibilidade genética a várias doenças
auto-imunes e que estão presentes em cerca de 20% dos controles
sadios.
Por outro lado,
o polimorfismo do fator de necrose tumoral (TNF), uma das citoquinas
que regulam as funções das células T, e o do gene
associado a linfócitos T citotóxicos (CTLA-4) parecem
influenciar a gravidade da doença.
Um avanço
recente no entendimento da patogenia da doença foi a identificação
da transglutaminase tissular como o auto-antígeno reconhecido
pelo anticorpo antiendomísio, que é a principal anormalidade
sorológica dos pacientes celíacos.
Trata-se de uma
enzima intracelular, dependente de cálcio, que catalisa uma ligação
covalente entre proteínas bem, como a desaminação
da gliadina e outras proteínas.
De interesse na
patogenia da doença celíaca é a propriedade da
transglutaminase desaminar a gliadina, gerando resíduos ácidos
e com cargas negativas, de ácido glutâmico.
Como os resíduos com cargas negativas são preferidos nos
bolsões 4, 6 e 7 do HLA DQ2, essas moléculas desaminadas
despertam respostas mais intensas das células T.
A gliadina da dieta
atinge a lâmina própria e, em indivíduos geneticamente
predispostos, é apresentada a células apresentadoras de
antígeno profissionais como as células B e macrófagos,
que dirigem a resposta das células T para a produção
de anticorpos (resposta tipo Th1) ou para a inflamação
e remodelamento da mucosa (Th2).
As células
Th1 produzem TNF, que leva à liberação de metaloproteinases
dos fibroblastos intestinais, que por sua vez estão envolvidas
tanto na degradação da matriz não colágena
como das fibrilas colágenas.
Surge infiltrado
inflamatório, com células mononucleares, e com fibroblastos,
que também são fontes da Ttg, o que aumenta ainda mais
a ativação imune pela desaminação da gliadina
ou pela formação de ligação cruzada entre
proteínas.
O aumento do número
de linfócitos intra-epiteliais, particularmente dos linfócitos
gama-delta, é uma característica histológica importante
da doença celíaca.
As infecções
gastrointestinais e as deficiências nutricionais seriam os fatores
responsáveis pelo desencadeamento da doença.
Todavia não
se sabe exatamente como atuariam, talvez facilitando a lesão
da mucosa e o ingresso da gliadina na lâmina própria.
NOTA: A complementação deste artigo sobre doença
celíaca será publicado no próximo número
desta revista. (DOENÇA CELÍACA II).
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