DIARRÉIAS
II: DIARRÉIA SECRETORA
Dra. Claudia P. M. S. de Oliveira
Dr. Antonio Atílio Laudanna
Durante 24 horas, cerca de 10 litros de fluidos circulam pelo trato
gastrointestinal. Destes, aproximadamente 8 litros são produzidos
endogenamente, provenientes das secreções digestivas,
entre elas: secreção salivar (1litro), suco gástrico
(2litros), secreção biliar (1litro), suco pancreático
(2 litros) e secreção intestinal, particularmente proveniente
do duodeno e jejuno proximal (2 litros). O restante é proveniente
da dieta. Assim, destes 10 litros de fluidos que passam diariamente
pelo trato digestivo, cerca de 8 litros são absorvidos no intestino
delgado e 1-2 litros são absorvidos no cólon, sendo excretados
pelas fezes somente 100-200ml de água por dia. O trato gastrointestinal
absorve, então, cerca de 98% do volume total que passa por ele
durante as 24 horas.
Existe
um equilíbrio dinâmico entre o fluxo de absorção
e o fluxo de secreção em relação aos líquidos
e eletrólitos contidos no lúmen intestinal. Quando há
um desequilíbrio nestes sistemas surge a diarréia que
é constituída de fezes líquidas ou líquido-pastosas
com aumento da freqüência e volume das fezes.
Existem
quatro mecanismos fisiopatológicos básicos de diarréia:
mecanismo osmótico, mecanismo secretor, mecanismo inflamatório
e de alteração da motilidade. Em algumas situações
os mecanismos sobrepõem-se entre si. Neste capítulo discutiremos
mais profundamente o mecanismo secretor.
A
diarréia secretora é determinada por absorção
diminuída de íons e água ou secreção
ativa deles. Esta redução na absorção ou
aumento na secreção deve-se aos seguintes mecanismos:
- Defeitos congênitos;
- Ressecção
intestinal;
- Destruição
ou redução das células epiteliais;
- Alteração
no AMP/GM cíclico, cálcio e proteinaquinases, promovendo
diminuição na absorção ou aumento na secreção,
sendo este o mecanismo mais comum das diarréias secretoras.
As principais causas de diarréia secretora estão dispostas
no quadro abaixo:
Quadro
1. Causas Mais Comuns de Diarréia por Mecanismo Secretor
1
- INFECÇÕES INTESTINAIS |
3
- DROGAS |
Víbri
cholera Clássico El thor |
Derivados
antracênicos (sene, cáscara sagrada, Aloé, ruibarbo) |
Rotavírus |
Bisacodil |
Escherichia
coli toxigênica |
Fenolftaleína |
Staphylococus
aureus (toxina) |
Oxifenisatina |
Clostridium
perfringens |
Colchicina |
Shigella
disenteriae |
Hormônios
tireoidianos |
Entamoeba
histolytica |
Metoclopramida,
cisapride |
Salmonella |
4
- TOXINAS METAIS PESADOS
Ferro
Mercúrio
Chumbo
Arsênico |
Yersínia
enterocolítica |
2
- TUMORES NEUROENDÓCRINOS
Carcinóide
Vipoma
Carcinoma
medular de tireóide |
As
infecções intestinais produzem diarréia secretora
principalmente por elaborar enterotoxinas que agridem receptores
específicos da membrana celular das células absortivas,
com posterior indução do sistema adenilciclase/AMP cíclico.
A toxina é absorvida nas vilosidades e criptas da mucosa intestinal
e estimula os mecanismos de transporte de eletrólitos e água,
aumentando a secreção de cloro e bicarbonato e reduzindo
a absorção de sódio e cloro.
Exemplo
clássico de diarréia secretora é àquela
do "Vibrio cholerae" que produz uma toxina que
ativa a adenilciclase, produzindo aumento do AMP cíclico, inibindo
o influxo de Na/Cl com decréscimo na absorção de
Na e água e aumento da secreção de Cl pelas criptas.
O quadro clínico da cólera é variável, desde
infecções assintomáticas ou formas benignas que
se assemelham à gastroenterite viral, até formas graves
que acarretam desidratação profunda, distúrbios
hidroeletrolítico e ácido-básico, os quais necessitam
de re-hidratação maciça. As características
das fezes são peculiares, assumindo aspecto em "água
de arroz", e são acompanhadas de vômitos secundários
à acidose metabólica.
O Rotavírus,
que é uma das principais causas de diarréia em crianças,
tem como mecanismo principal de agressão aos enterócitos
a destruição das vilosidades, reduzindo a capacidade
absortiva enquanto que a cripta continua secretando íons e fluidos.
Este vírus é comum em ambientes fechados como creches
e hospitais, tem sido observado mais nos meses de outono e inverno e
na faixa etária de 6 a 24 meses. O período de incubação
está em torno de 5 a 8 dias e manifesta-se clinicamente em crianças
com vômitos associados a diarréia aquosa severa, causando
desidratação importante, acompanhada de febre. Com reposição
de fluidos, geralmente os vômitos cessam em 2-3 dias e a diarréia
em 4-5 dias, podendo prolongar-se por mais de uma semana.
Algumas
bactérias, como E.coli enterotoxigênica, têm
capacidade de aderir através das fímbrias à superfície
do enterócito, produzindo enterotoxinas. Estas estimulam
não só o sistema adenilciclase como o sistema guanil-ciclase.
São duas as enterotoxinas da E.coli enterotoxigênica:
uma termolábil, cuja ação secretora é via
AMPc, e outra termoestável, cuja ação é
via GMPc. Ambas causam desregulação da capacidade absortiva
e incremento da atividade secretora, causando diarréia. A
E.coli enteropatogênica é a principal causa da diarréia
do viajante. Clinicamente apresenta-se como diarréia aquosa
acompanhada de cólicas abdominais, náusea, febre, mialgia,
com duração de 3 a 5 dias quando não tratada, raramente
ultrapassando 1 semana.
Algumas
drogas laxativas, como antracênicos, óleo de rícino
e fenolftaleína, produzem diarréia secretora por
estimularem o sistema adenil-ciclase/AMP cíclico e também
por aumentarem a motilidade intestinal. Algumas delas só agem
após desconjugação bacteriana no cólon.
Os
tumores neuro-endócrinos (carcinóide, vipoma, carcinoma
medular da tireóide) promovem diarréia secretora, principalmente
por produzirem substâncias que estimulam profusamente a secreção
intestinal, e inibem a secreção gástrica. As
principais substâncias produzidas por estes tumores são
hormônio intestinal vasoativo (VIP), calcitonina, serotonina,
polipeptídio inibidor gástrico, prostaglandinas e polipeptídio
pancreático. Estas substâncias parecem estimular a
secreção via AMP cíclico e aumentam também
a motilidade. Nestes tumores, geralmente os pacientes apresentam diarréia
líquida profusa com grande número de dejeções,
acompanhada algumas vezes de distúrbios hidroeletrolítico
e ácido-básico.
Em
um número significativo de situações agudas o diagnóstico
etiológico restringe-se ao clínico-epidemiológico,
já que o tratamento básico de re-hidratação
oral independe do agente etiológico. Pacientes com diarréia
aquosa de menos de três dias de duração, sem sangue
ou muco ou febre, ausência de depleção hidroeletrolítica
importante, sem comprometimento da imunidade, não sendo idosos
ou crianças desnutridas não necessitam na maioria das
vezes de diagnóstico etiológico, pois somente a re-hidratação
oral é suficiente, já que na maioria das vezes o quadro
é autolimitado.
Nos
imunocomprometidos, principalmente pacientes com AIDS, que têm
quadro maior que 4 dias, as culturas fezes e pesquisa de parasitas são
negativas, demandando investigação diagnóstica
mais aprofundada.
Diarréia do imunocomprometido será abordada em outro capítulo
ulterior.
Nas
diarréias agudas a desidratação é, de longe,
a conseqüência mais prejudicial e freqüente, sendo responsável
pelos altos índices de morbidade e mortalidade da doença,
principalmente em crianças e idosos. Por isso, a re-hidratação
oral constitui a medida mais importante e eficaz na maioria das diarréias
agudas. Em 1978 já se falava que a reposição de
fluidos e eletrólitos via oral nas diarréias agudas constituía
o maior avanço médico do século.
Em virtude da
maioria das diarréias agudas serem autolimitadas e necessitarem
apenas de suporte hidroeletrolítico, a terapia de re-hidratação
oral (TRO) com soluções glico-salinas constitui a pedra
angular do tratamento.
Alguns estudos têm
mostrado benefício no uso de subsalicilato de bismuto nas diarréias
aquosas, por reduzirem a duração do quadro. O mecanismo
de ação ainda não está bem definido, mas
algumas evidências sugerem propriedades antisecretória
e antibiótica pela inibição do crescimento de uma
variedade de enteropatógenos.
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