Dr. Antonio A. Laudanna
Prof. Titular de Gastroenterologia da FMUSP
Dra. Claudia P. M. S. de Oliveira
A
Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) é uma
das afecções mais comuns na prática gastroenterológica.
Contudo sua real prevalência não é conhecida, visto
que grande parte dos refluidores não consulta o médico
e se automedica indiscriminadamente com antiácidos.
Há
dez anos atrás, a DRGE era denominada Esofagite de Refluxo (ER),
denominação esta que só exprimia a conseqüência
do RGE. Já o termo atual, DRGE, é mais apropriado, pois
menciona não só a conseqência, esofagite, como também
a característica fisiopatológica da doença.
Fisiopatologicamente,
a DRGE ocorre quando existe um desequilíbrio entre os fatores
agressivos e defensivos da mucosa esofágica. Entre os fatores
agressivos incluem-se a presença do ácido clorídrico,
da pepsina e da secreção bilio-pancreática. Entre
os defensivos, estão todos os mecanismos anatômicos e funcionais
que impedem que haja refluxo gastroesofágico patológico.
Os anatômicos são: pinçamento do diafragma crural
direito e anel diafragmático; o ângulo agudo de entrada
do esôfago no estômago; ligamento frenoesofágico
e a roseta de mucosa gástrica. Os funcionais são representados
pela pressão do esfíncter inferior do esôfago; o
clareamento esofágico; resistência epitelial e o esvaziamento
gástrico.
Dentre estes fatores,
um dos principais envolvidos na fisiopatogênese do RGE é
a hipotensão do esfíncter esofágico inferior (EEI),
que por vezes se mantém aberto, facilitando a entrada de ácido
por tempo prolongado no esôfago. Ressalte-se que, normalmente,
existe um refluxo gastroesofágico fisiológico que é
de curta duração e geralmente ocorre após as refeições.
Doenças do
tecido conectivo (esclerodermia), drogas bloqueadoras dos canais de
cálcio e anticoncepcionais, entre outros, reduzem a pressão
do EEI, favorecendo o refluxo. Contudo, outros fatores tais como o retardo
do esvaziamento gástrico, alterações no clareamento
esofágico, presença de hérnia hiatal e obesidade
contribuem para que haja REG patológico.
O diagnóstico
desta afecção se baseia no quadro clínico e exames
complementares. As manifestações clínicas da DRGE
podem ser classificadas em típicas, atípicas ou conseqüentes
a complicações. Dentre as manifestações
típicas encontram-se a pirose retroesternal que sugere fortemente
a presença do refluxo, a regurgitação e a sialorréia.
Também podem acompanhar o quadro sintomas dispépticos
como plenitude pós-prandial, desconforto epigástrico,
eructações e náuseas.
As manifestações
atípicas são representadas pela dor torácica de origem não cardíaca,
geralmente confundida com coronariopatia, a qual deve ser sempre excluída;
tosse crônica; pigarro; rouquidão; sinusite crônica; broncoespasmo e
Globus Histericus na "garganta".
Dentre as manifestações
de alarme que podem sugerir complicações e doença
grave encontram-se: a hemorragia digestiva, a disfagia que pode sugerir
estenose, sintomas de mediastinite que podem sugerir perfuração,
anemia por perda crônica de ferro e possivelmente o esôfago
de Barrett, que merece atenção especial por predispor
ao aparecimento de adenocarcinoma de esôfago.
O esôfago
de Barrett é definido como a substituição do epitélio
escamoso do esôfago por epitélio colunar. Pode ocorrer
metaplasia intestinal.
O diagnóstico
da DRGE típica é eminentemente clínico. Contudo,
exames complementares são necessários não só
para ratificar o diagnóstico, mas também para avaliar
as conseqüências do refluxo e diagnosticar complicações
e manifestações atípicas.
O exame endoscópico
é de fundamental importância, pois permite avaliar as conseqüências
da DRGE, assim como as complicações. E quando associado
à biópsia esofágica, aumenta sua sensibilidade.
O exame radiológico
contrastado do esôfago (EED) é útil quando o paciente
refere disfagia, pois permite avaliar sob o ponto de vista estrutural
do órgão uma eventual estenose.
O método cintilográfico
é utilizado para pesquisar a presença ou ausência de refluxo. Todavia,
sua sensibilidade é baixa. Torna-se útil e bem tolerado na investigação
de refluxo em crianças, evitando-se, tanto quanto possível, a endoscopia
e pHmetria de 24 horas.
A pHmetria de 24
horas é sem dúvida o padrão ouro para se evidenciar
a presença de refluxo patológico. Permite quantificar
a intensidade da exposição da mucosa esofágica
ao ácido. Caracteriza o RGE patológico, o pH esofágico
abaixo de 4 por tempo significante durante a prova.
Deve ser indicado
para pacientes com manifestações atípicas e pacientes
com sintomas típicos com endoscopia normal.
A manometria esofágica
está indicada principalmente no pré-operatório
de pacientes, em que se pretende realizar procedimento cirúrgico
para avaliar a condição pressórica do esfíncter
esofágico inferior, fato este que é relevante na cirurgia
anti-refluxo.
O tratamento clínico
baseia-se em medidas comportamentais e farmacológicas. Entre
as medidas comportamentais inclui-se a elevação da cabeceira
da cama (recomenda-se elevar com suportes a cabeceira da cama em 15
cm); evitar a ingestão de alimentos gordurosos, cítricos,
que contenham cafeína, bebidas alcoólicas e gasosas, cigarro,
chocolate e hortelã; não deitar logo após as refeições;
reduzir o peso corporal; evitar drogas como bloqueadores de canais de
cálcio, teofilina, alendronato e anticolinérgicos.
O tratamento farmacológico
consiste na utilização de substâncias que bloqueiam
a produção de ácido, associado a drogas pró-cinéticas
que melhoram o esvaziamento gástrico e aumentam a pressão
do EEI.
As mais utilizadas para bloqueio da secreção ácida
são os inibidores de bomba protônica (omeprazol, lanzoprazol
ou pantoprazol) e bloqueadores H2 (ranitidina), estes últimos
na dose mínima de 300mg/dia.
Entre as drogas
pró-cinéticas, as mais utilizadas são a bromoprida
e a domperidona.
Tem-se afastado
entre os pró-cinéticos a cisaprida, que já apresentou
graves complicações cardíacas.