DIARRÉIAS
I: GENERALIDADES
Dra. Claudia P. M. S. de Oliveira
Dr. Antonio Atílio Laudanna
As diarréias constituem uma das afecções mais comuns
em todo o mundo. Afetam pessoas de todas as idades e são uma
das principais causas de mortalidade infantil em países em desenvolvimento.
As
diarréias são definidas clinicamente pela eliminação de fezes de consistência
diminuída ou líquida, com aumento do número de evacuações.
Representam
uma resposta inespecífica do intestino a diversas agressões como infecções,
infestações parasitárias, auto-imunidade, isquemia, reações a drogas,
cirurgias e neoplasias.
Quanto
à fisiopatologia podem ser divididas em: osmótica, exsudativa,
secretora e motora. A diarréia osmótica resulta da presença
de substâncias inabsorvíveis, de alta osmolaridade, que
carreiam grande quantidade de água para a luz intestinal, superando
a capacidade intestinal de absorção. Intolerância
à lactose é um exemplo de diarréia osmótica.
Já
na diarréia secretora, como o próprio nome menciona, há
grande secreção de fluidos e eletrólitos ativamente
para a luz intestinal. Esta secreção aumentada decorre
de vários fatores, entre eles, da ação de toxinas
que interferem no sistema adenilciclase com estímulo do AMP cíclico
(Vibrio cholera, E. coli enteropatogênica), da secreção
de hormônios (Vipoma, carcinóide) ou da lesão das
vilosidades intestinais (Rotavírus). Exemplo clássico
deste tipo de mecanismo fisiopatológico é aquele causado
pelo vibrião colérico. Este assunto será melhor
abordado em publicações futuras.
A diarréia
exsudativa decorre da invasão do patógeno na mucosa intestinal
(E.coli enteroinvasiva, Salmonella, Shigella e outras) ou agressão
imunomediada, com perda da integridade da mucosa, citólise e
necrose celular, resultando na exsudação de muco, sangue
e células inflamatórias (doenças inflamatórias
intestinais).
E por
fim, a diarréia motora, que é conseqüente a alterações da motilidade
intestinal, a qual está sob influência do sistema nervoso autônomo e
central. Doenças que promovem uma hipermotilidade intestinal, como o
hipertireoidismo e alguns casos de diabetes, são exemplos que causam
diarréia motora; estes temas serão abordados nas próximas publicações.
Quanto
à duração, as diarréias podem ser classificadas
em agudas quando não ultrapassam 3 semanas e crônicas quando
excedem este período.
As formas agudas são mais freqüentes, tendem a ser autolimitadas
e cursar de forma benigna. As principais causas de diarréia aguda
são as infecciosas: virais (Rotavírus), bacterianas (Shigellas,
Salmonellas, cepas patogênicas de E.coli, Vibrio cholera, Yersínia
enterocolitítica, entre as principais) e parasitárias
(Giardia lamblia, Entamoeba histolytica, S. stercoralis). A presença
de diarréias nas parasitoses é variável, podendo
ser episódica, recorrente e em muitos casos ausente.
Nas
diarréias agudas de caráter autolimitado, o tratamento
se resume na maioria dos casos em hidratação oral. Nas
formas disentéricas, em pacientes desnutridos, imunocomprometidos,
idosos ou febris, o diagnóstico etiológico se impõe,
devendo ser efetuadas coproculturas e parasitológicos para melhor
elucidação diagnóstica e adequação
terapêutica.
As
diarréias crônicas têm como principais causas
a doença inflamatória intestinal (RCUI, Doença
de CROHN), as parasitoses (Giardíase, Amebíase), as infecções
bacterianas (por Yersínia, Campylobacter jejuni, Cryptosporidium),
cirurgias prévias (gastrectomia, colecistectomia, ressecção
intestinal), neoplasias (linfoma intestinal, adenocarcinoma de cólon,
carcinóide), doença celíaca, doença de Whipple,
deficiência de dissacaridases, pancreatopatias e colite colágena.
A propósito de colite colágena vide publicação
de J. G.N. da Silva e colabs. no n.º 6 desta revista.
Nas
diarréias crônicas, a investigação diagnóstica
se impõe, devendo-se incluir, além da anamnese cuidadosa,
exame parasitológico de fezes, coprocultura, balanço de
gordura nas fezes, teste de D-xilose, dosagem de alfa 1-antitripsina
nas fezes para avaliar perda protéica, morfologia do delgado
e colonoscopia. Não atribuir apressadamente a diarréia
a distúrbios "nervosos" não definidos.
A abordagem
diagnóstica deverá obedecer a raciocínio lógico
e científico, de acordo com a localização mais
provável, alta ou baixa, baseando-se na história clínica.
O tratamento será direcionado para a patologia específica,
associado a medidas de ordem geral como manutenção do
equilíbrio hidroeletrolítico, combate à desnutrição
e eventualmente, se muito necessário, sintomáticos com
parcimônia.
Merecem
atenção especial as diarréias que acometem pacientes
infectados pelo vírus da imunodeficiência adquirida (HIV),
lembrando que 70% dos pacientes com SIDA desenvolvem diarréia
na evolução da doença, sendo que 50-80% têm
como causa infecções ou infestações oportunísticas.
As principais são aquelas relacionadas ao Cryptosporidium, Microsporidium,
Isospora belli, Giardia lamblia, Citomegalovírus (CMV), Herpes
simples, M. tuberculosis, M. avium e o próprio HIV. Nestes doentes
a abordagem diagnóstica deve ser mais minuciosa, com culturas
de fezes, múltiplas biópsias endoscópicas, culturas
especiais para determinados patógenos. Quando instituídas
medidas terapêuticas precoces, grande parte destes agentes patogênicos
são eliminados.
Enfatizamos
que tumores vilosos do ceco são particularmente causadores de diarréia,
ou mudam o comportamento intestinal quer para diarréia quer para constipação,
enquanto que os do cólon esquerdo tendem mais freqüentemente a
causar obstipação. |