NOVOS
ANTIVIRAIS (INIBIDORES DA ENZIMA TRANSCRIPTASE REVERSA)
PARA O TRATAMENTO DA HEPATITE CRÔNICA B
Suzane
Kioko Ono-Nita
Ph. D. Departamento de Gastroenterologia da Fac. Med.
USP
(do Hospital das Clínicas)
INTRODUÇÃO
A
hepatite B é ainda um problema de saúde pública mundial,
sendo responsável por 1,2 milhão de mortes por ano,
segundo um relatório recente da Organização Mundial
de Saúde (1). A infecção crônica pelo vírus da hepatite
B (VHB) aumenta a mortalidade em 5,2 vezes quando
comparada com a população geral (2).
Até
recentemente o único tratamento aprovado era o interferon
alfa; porém apresenta o inconveniente dos seus diversos
efeitos colaterais, administração parenteral, alto
custo e baixa eficácia. Como o VHB replica através
de transcrição reversa, o uso de inibidores da enzima
transcriptase reversa tornou-se uma ótima opção de
tratamento.
A
lamivudina é uma inibidora da enzima transcriptase
reversa e foi recentemente aprovada em vários países
para o tratamento da hepatite crônica B. Porém, apesar
do potente efeito antiviral da lamivudina, após a
interrupção da administração por um período curto
da droga ocorre a recorrência da viremia. Portanto
estudos com o uso prolongado da droga estão em andamento.
O desenvolvimento de novas drogas antivirais para
o tratamento da hepatite crônica B persiste como um
objetivo, e desta forma novos agentes antivirais estão
em fase de estudos clínicos, como o famciclovir, adefovir,
entecavir e emtricitabine, entre outros. Os objetivos
principais do tratamento são reduzir a progressão
da lesão hepática e erradicar o VHB.
O principal obstáculo do uso de inibidores da enzima
transcriptase reversa é o desenvolvimento de resistência
antiviral, descrito para o vírus da imunodeficiência
humana (HIV) e também para o VHB. Desta forma, provavelmente
novas estratégias de tratamento (como terapia combinada)
serão necessárias para melhorar a resposta ao tratamento
da hepatite crônica B (3, 4).
LAMIVUDINA
A lamivudina é um nucleosídeo análogo e a primeira
terapia oral para hepatite crônica B a ser aprovada.
Vários estudos têm demonstrado que a lamivudina
é bem tolerada e suprime a replicação do VHB em pacientes
tratados, com redução média do DNA do VH7B de 98%
com uma dose de 100 mg. Ocorre normalização da alanino-transferase
(ALT) em 72% dos pacientes e melhora da histologia
hepática em 67% dos pacientes tratados (5).
Entretanto,
somente 16% destes pacientes seroconvertem o sistema
AgHBe (negativação do AgHBe e desenvolvimento do anticorpo
Anti-HBe). Um trabalho recente sugere que níveis de
ALT acima de 2 vezes o nível superior normal indicaria
maior chance de seroconversão (6).
Estudos
anteriores têm demonstrado que o uso por períodos
curtos não é suficiente para erradicar o VHB. Após
a interrupção do tratamento, ocorre a recorrência
da viremia e 72% dos pacientes apresentam aumento
da ALT. Desta forma torna-se necessário o uso prolongado
da lamivudina.
Assim
como o HIV é resistente aos antivirais, o uso prolongado
da lamivudina leva ao desenvolvimento de VHB resistente.
A freqüência de VHB resistente pode variar de 17-46%
no primeiro ano, até 67 a 75% no terceiro e quarto
anos de tratamento contínuo. Apesar da alta prevalência
do VHB resistente à lamivudina, parece não haver maiores
complicações em pacientes imunocompetentes.
Entretanto
o VHB resistente pode levar a uma hepatite grave em
pacientes co-infectados com HIV. Após transplante
hepático, VHB resistente pode estar associado a fibrose
hepática e processo necroinflamatório importante.
O
VHB resistente apresenta mutações na região da polimerase
viral, na seqüência de aminoácidos YMDD (tirosina
- metionina - aspartato) de metionina para isoleucina
ou valina (YIDD ou YVDD) (7, 8). Após a suspensão
da lamivudina, geralmente ocorre o reaparecimento
do VHB selvagem em 6 a 18 meses (9).
FAMCICLOVIR
É
a pró-droga oral do penciclovir, um inibidor da enzima
transcriptase reversa que tem ação sobre herpesvírus,
varicella-zoster, Epstein-Barr vírus e VHB. Recentemente
foi utilizada para a profilaxia da recorrência e tratamento
do VHB após o transplante hepático (10, 11). Em pacientes
com hepatite crônica B, apesar da modesta diminuição
dos níveis de DNA do VHB, levou a melhora significativa
da histologia hepática (12).
ADEFOVIR
O
adefovir tem ação contra o HIV, herpesvírus
e VHB. O adefovir dipivoxil (a pró-droga oral do adefovir)
está em estudos clínicos para o tratamento do HIV
e VHB. Estudos em laboratório demonstraram que o adefovir
tem ação antiviral contra o VHB selvagem e mutante
resistente à lamivudina; entretanto a dose necessária
para inibir o vírus resistente é maior do que a dose
para o vírus selvagem (8) (13). Estes resultados laboratoriais
foram comprovados clinicamente, quando pacientes que
apresentavam o VHB resistente à lamivudina e foram
tratados com o adefovir apresentaram melhora virológica
associada com diminuição dos níveis da ALT (14).
ENTECAVIR
O entecavir (BMS-200475) é um antiviral inibidor da
enzima transcriptase reversa e com ação sobre o VHB.
Em animais como a marmota, o entecavir apresentou
potente redução dos níveis de DNA do vírus da hepatite
B, sem estar associado a efeitos tóxicos (15). Estudos
clínicos em seres humanos saudáveis mostraram uma
boa absorção e disponibilidade da droga (16). Estudos
clínicos com um número pequeno de pacientes com hepatite
B crônica mostrou que doses baixas foram suficientes
para inibir a replicação do VHB, e aguarda-se início
de estudo com maior número de pacientes para breve.
OUTROS
O L-FMAU é um antiviral com potente atividade contra
o VHB e o vírus Epstein-Barr, mas não contra o HIV.
Estudos em cultura de células e em animais demonstraram
que o L-FMAU inibiu a replicação do VHB. O FTC (emtricitabine)
é outro antiviral que também mostrou atividade em
cultura de células contendo o VHB e também mostrou
atividade antiviral em marmotas sem efeitos tóxicos.
O MCC-478 também está em fase de estudos laboratoriais
e demonstrou ação contra o VHB. Diversos outros compostos
químicos também estão sendo estudados e aguarda-se
a realização de estudos clínicos para o tratamento
da hepatite crônica B.
CONCLUSÃO
No
momento apenas dois medicamentos estão aprovados para
o tratamento da hepatite crônica B:
O
interferon alfa, que pode ser utilizado em pacientes
não cirróticos com altos níveis de ALT e que, apesar
dos seus diversos efeitos colaterais, tem a vantagem
de apresentar baixa recorrência após o término do
tratamento se houver resposta.
A
lamivudina, primeira terapia oral aprovada para o
tratamento da hepatite crônica B, que tem potente
ação antiviral e é bem tolerada, com melhora importante
da histologia hepática. Entretanto, apresenta alto
desenvolvimento de VHB resistente e desta forma será
necessário desenvolver novos antivirais e novas estratégias
para o tratamento da hepatite B.
A
terapia combinada de duas drogas pode melhorar os
efeitos antivirais, permitindo utilizar-se doses menores
diminuindo os efeitos colaterais, e com possibilidade
de menor ou retardo do desenvolvimento de vírus resistentes.
A
terapia combinada pode ser de uso simultâneo ou seqüencial
de diferentes agentes, e a escolha vai depender do
entendimento dos mecanismos de ação dos antivirais.
Diversos
compostos estão sendo analisados em estudos clínicos
para o tratamento da hepatite B; em futuro próximo
melhores estratégias estarão disponíveis para o tratamento
da hepatite crônica B. |