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Revista de Hepatologia - FUNÇÃO HEPÁTICA 2 - DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DAS ICTERÍCIAS
Janeiro/Fevereiro 2001

NOVOS ANTIVIRAIS (INIBIDORES DA ENZIMA TRANSCRIPTASE REVERSA)
PARA O TRATAMENTO DA HEPATITE CRÔNICA B

Suzane Kioko Ono-Nita
Ph. D. Departamento de Gastroenterologia da Fac. Med. USP
(do Hospital das Clínicas)

INTRODUÇÃO

A hepatite B é ainda um problema de saúde pública mundial, sendo responsável por 1,2 milhão de mortes por ano, segundo um relatório recente da Organização Mundial de Saúde (1). A infecção crônica pelo vírus da hepatite B (VHB) aumenta a mortalidade em 5,2 vezes quando comparada com a população geral (2).

Até recentemente o único tratamento aprovado era o interferon alfa; porém apresenta o inconveniente dos seus diversos efeitos colaterais, administração parenteral, alto custo e baixa eficácia. Como o VHB replica através de transcrição reversa, o uso de inibidores da enzima transcriptase reversa tornou-se uma ótima opção de tratamento.

A lamivudina é uma inibidora da enzima transcriptase reversa e foi recentemente aprovada em vários países para o tratamento da hepatite crônica B. Porém, apesar do potente efeito antiviral da lamivudina, após a interrupção da administração por um período curto da droga ocorre a recorrência da viremia. Portanto estudos com o uso prolongado da droga estão em andamento.

O desenvolvimento de novas drogas antivirais para o tratamento da hepatite crônica B persiste como um objetivo, e desta forma novos agentes antivirais estão em fase de estudos clínicos, como o famciclovir, adefovir, entecavir e emtricitabine, entre outros. Os objetivos principais do tratamento são reduzir a progressão da lesão hepática e erradicar o VHB.

O principal obstáculo do uso de inibidores da enzima transcriptase reversa é o desenvolvimento de resistência antiviral, descrito para o vírus da imunodeficiência humana (HIV) e também para o VHB. Desta forma, provavelmente novas estratégias de tratamento (como terapia combinada) serão necessárias para melhorar a resposta ao tratamento da hepatite crônica B (3, 4).

LAMIVUDINA

A lamivudina é um nucleosídeo análogo e a primeira terapia oral para hepatite crônica B a ser aprovada. Vários estudos têm demonstrado que a lamivudina é bem tolerada e suprime a replicação do VHB em pacientes tratados, com redução média do DNA do VH7B de 98% com uma dose de 100 mg. Ocorre normalização da alanino-transferase (ALT) em 72% dos pacientes e melhora da histologia hepática em 67% dos pacientes tratados (5).

Entretanto, somente 16% destes pacientes seroconvertem o sistema AgHBe (negativação do AgHBe e desenvolvimento do anticorpo Anti-HBe). Um trabalho recente sugere que níveis de ALT acima de 2 vezes o nível superior normal indicaria maior chance de seroconversão (6).

Estudos anteriores têm demonstrado que o uso por períodos curtos não é suficiente para erradicar o VHB. Após a interrupção do tratamento, ocorre a recorrência da viremia e 72% dos pacientes apresentam aumento da ALT. Desta forma torna-se necessário o uso prolongado da lamivudina.

Assim como o HIV é resistente aos antivirais, o uso prolongado da lamivudina leva ao desenvolvimento de VHB resistente. A freqüência de VHB resistente pode variar de 17-46% no primeiro ano, até 67 a 75% no terceiro e quarto anos de tratamento contínuo. Apesar da alta prevalência do VHB resistente à lamivudina, parece não haver maiores complicações em pacientes imunocompetentes.

Entretanto o VHB resistente pode levar a uma hepatite grave em pacientes co-infectados com HIV. Após transplante hepático, VHB resistente pode estar associado a fibrose hepática e processo necroinflamatório importante.

O VHB resistente apresenta mutações na região da polimerase viral, na seqüência de aminoácidos YMDD (tirosina - metionina - aspartato) de metionina para isoleucina ou valina (YIDD ou YVDD) (7, 8). Após a suspensão da lamivudina, geralmente ocorre o reaparecimento do VHB selvagem em 6 a 18 meses (9).

FAMCICLOVIR

É a pró-droga oral do penciclovir, um inibidor da enzima transcriptase reversa que tem ação sobre herpesvírus, varicella-zoster, Epstein-Barr vírus e VHB. Recentemente foi utilizada para a profilaxia da recorrência e tratamento do VHB após o transplante hepático (10, 11). Em pacientes com hepatite crônica B, apesar da modesta diminuição dos níveis de DNA do VHB, levou a melhora significativa da histologia hepática (12).

ADEFOVIR

O adefovir tem ação contra o HIV, herpesvírus e VHB. O adefovir dipivoxil (a pró-droga oral do adefovir) está em estudos clínicos para o tratamento do HIV e VHB. Estudos em laboratório demonstraram que o adefovir tem ação antiviral contra o VHB selvagem e mutante resistente à lamivudina; entretanto a dose necessária para inibir o vírus resistente é maior do que a dose para o vírus selvagem (8) (13). Estes resultados laboratoriais foram comprovados clinicamente, quando pacientes que apresentavam o VHB resistente à lamivudina e foram tratados com o adefovir apresentaram melhora virológica associada com diminuição dos níveis da ALT (14).

ENTECAVIR

O entecavir (BMS-200475) é um antiviral inibidor da enzima transcriptase reversa e com ação sobre o VHB. Em animais como a marmota, o entecavir apresentou potente redução dos níveis de DNA do vírus da hepatite B, sem estar associado a efeitos tóxicos (15). Estudos clínicos em seres humanos saudáveis mostraram uma boa absorção e disponibilidade da droga (16). Estudos clínicos com um número pequeno de pacientes com hepatite B crônica mostrou que doses baixas foram suficientes para inibir a replicação do VHB, e aguarda-se início de estudo com maior número de pacientes para breve.

OUTROS

O L-FMAU é um antiviral com potente atividade contra o VHB e o vírus Epstein-Barr, mas não contra o HIV. Estudos em cultura de células e em animais demonstraram que o L-FMAU inibiu a replicação do VHB. O FTC (emtricitabine) é outro antiviral que também mostrou atividade em cultura de células contendo o VHB e também mostrou atividade antiviral em marmotas sem efeitos tóxicos. O MCC-478 também está em fase de estudos laboratoriais e demonstrou ação contra o VHB. Diversos outros compostos químicos também estão sendo estudados e aguarda-se a realização de estudos clínicos para o tratamento da hepatite crônica B.

CONCLUSÃO

No momento apenas dois medicamentos estão aprovados para o tratamento da hepatite crônica B:

O interferon alfa, que pode ser utilizado em pacientes não cirróticos com altos níveis de ALT e que, apesar dos seus diversos efeitos colaterais, tem a vantagem de apresentar baixa recorrência após o término do tratamento se houver resposta.

A lamivudina, primeira terapia oral aprovada para o tratamento da hepatite crônica B, que tem potente ação antiviral e é bem tolerada, com melhora importante da histologia hepática. Entretanto, apresenta alto desenvolvimento de VHB resistente e desta forma será necessário desenvolver novos antivirais e novas estratégias para o tratamento da hepatite B.

A terapia combinada de duas drogas pode melhorar os efeitos antivirais, permitindo utilizar-se doses menores diminuindo os efeitos colaterais, e com possibilidade de menor ou retardo do desenvolvimento de vírus resistentes.

A terapia combinada pode ser de uso simultâneo ou seqüencial de diferentes agentes, e a escolha vai depender do entendimento dos mecanismos de ação dos antivirais.

Diversos compostos estão sendo analisados em estudos clínicos para o tratamento da hepatite B; em futuro próximo melhores estratégias estarão disponíveis para o tratamento da hepatite crônica B.

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