HEPATITE
C
Dra.
Claudia P.M.S. de Oliveira
Médica pesquisadora da Disciplina de Gastroenterologia
da FMUSP
CONSIDERAÇÕES
GERAIS
A
principal causa das hepatites que eram denominadas
não-A não-B ,é o vírus
da hepatite C, que consiste atualmente em um dos maiores
problemas de saúde pública no mundo
inteiro. Estima-se que mais de 300 milhões de pessoas
estejam infectadas pelo vírus da hepatite C
. A prevalência desta infecção
varia de acordo com a área geográfica
e com os fatores de risco envolvidos. Nos EUA, a prevalência
global de infecção pelo vírus
da hepatite C é da ordem de 1,5%, semelhante
àquela encontrada no Brasil.
A
exposição parenteral por meio de sangue
contaminado ou agulhas e seringas contaminadas é
considerada a principal via de transmissão
da hepatite C. Contudo, ainda permanece pouco conhecida
a transmissão dita esporádica, que ocorre
em cerca de 30-40% dos casos, na qual não se
consegue identificar a via de transmissão.
Estudos referentes à transmissão interfamiliar,
sexual, ambiental ou materno-fetal são controversos.
Embora as possibilidades de transmissão, acima
citadas, sejam reais, não explicam a prevalência
apontada.
Encontram-se
em situação de risco os receptores de
sangue e derivados, usuários de drogas injetáveis,
pacientes em hemodiálise, transplantados, profissionais
da área de saúde, parceiros sexuais
de portadores da hepatite C e homossexuais.
CARACTERÍSTICAS
DO VÍRUS DA HEPATITE C E PATOGÊNESE
O
vírus da hepatite C é um RNA vírus,
membro da família Flaviridae, constituído
por cerca de 10.000 nucleosídeos. Seu genoma
é constituído de regiões responsáveis
pela produção de proteínas estruturais
do envelope (E1 e E2/NS-1) e do nucleocapsídeo
(C), regiões denominadas não codificantes (5'
NC e 3' NC) e região de proteínas não
estruturais (NS-2 a NS-5) conforme representação
abaixo:
5'NC |
C |
E1 |
E2/NS-1 |
NS-2 |
NS-3 |
NS-4 |
NS-5 |
3'NC |
De
acordo com a análise da seqüência de
nucleotídios da região NS-5, existem
os seguintes subtipos ou genótipos: 1a, 1b,
1c, 2a , 2b, 2c, 3a, 3b, 4, 5a, 6a. Esta análise
permitiu avaliar a diversidade de evolução
clínica e resposta ao tratamento, de acordo
com o genótipo. Por exemplo, o genótipo
1b parece apresentar uma evolução clínica
mais desfavorável e uma pior resposta ao tratamento.
Quanto
à patogênese, segundo alguns autores,
o vírus C exerce seu efeito deletério
ao fígado tanto por mecanismo citopático
como imunológico. Contudo, pela dificuldade
de cultivo in vitro do vírus, ainda
não se conseguiu elucidar completamente a patogenia.
Como ocorre a necrose hepatocelular, por via direta
(citopática) ou indireta (imunológica)?
Como o vírus desencadeia transformação
maligna no hepatócito? Será por mecanismo
ligado à própria regeneração
celular ou o vírus è carcinogênico por
si mesmo.? Estas, entre outras, são indagações
não respondidas.
QUADRO
CLÍNICO E DIAGNÓSTICO
Grande
parte dos pacientes portadores do vírus C da
hepatite são assintomáticos. Geralmente,
recebem o diagnóstico ao acaso, durante a realização
de exames de rotina, os quais mostraram elevação
das aminotransferases, fato que impõe a pesquisa de
marcadores virais das hepatites.
Quando
presentes, os sintomas da hepatite C são leves
e inespecíficos tais como astenia, anorexia,
fadiga, perda de peso e desconforto no hipocôndrio
direito. Nos casos em que o diagnóstico de
hepatite C é efetuado durante investigação
de um quadro de cirrose hepática, os sinais
e sintomas não diferem de outras causas de
cirrose hepática: hipertensão portal
(esplenomegalia, varizes de esôfago, ascite,
circulação colateral) e insuficiência
hepática (eritema palmar, telangectasias, ginecomastia).
Não é muito freqüente hepatite
aguda relacionada ao vírus C.
MANIFESTAÇÕES
EXTRA-HEPÁTICAS
Algumas
manifestações clínicas extra-hepáticas
características de doença imunológica
têm sido observadas em pacientes com hepatopatia
por vírus C. Crioglobulinemia, vasculites,
artralgia e glomerulopatias associam-se ao vírus
C. Outras doenças como tiroidites, poliarterite
nodosa, lúpus eritematoso sistêmico,
artrite reumatóide, líquen plano e vitiligo
também têm sido relacionadas à
hepatite C. Estudos futuros esclarecerão de
forma mais consistente estas associações.
O
diagnóstico desta hepatite é aventado,
na maioria dos casos, como comentado acima, em pacientes
assintomáticos, durante um exame de rotina
ou pré-operatório, quando se percebe
elevação persistente das aminotransferases
e/ou de gama GT. Também deve-se pensar na hepatite
C em pacientes com hepatopatia crônica
que apresentem sinais ou sintomas de hipertensão
portal e/ou de insuficiência hepática.
Os
sinais de insuficiência hepática, além
do que nos fornece o exame físico, revela-se
por alterações nos fatores de coagulação,
particularmente do tempo de protrombina e de fator
V; há redução da albumina sérica
e elevação da gama globulina, nas formas
crônicas.
O
diagnóstico sorológico é realizado
através da pesquisa do anti-HCV por ELISA ou
"immunoblot" Riba de segunda e terceira gerações.
Estes testes apresentam sensibilidade e especificidade
altas. Contudo, mesmo assim, alguns poucos casos,
principalmente de infecção aguda, escapam
à detecção por estes métodos.
A
reação por PCR (reação
em cadeia da polimerase) consiste na ampliação
das seqüências genômicas do vírus
a partir de "primers" (pares de oligonucleotídios),
possibilitando a ligação do RNA específico
à síntese do DNA complementar, ampliando
a possibilidade de identificação e sorotipagem
do material genético. O PCR também facilita
o diagnóstico de hepatite C aguda, pois é
positivo 5 a 10 dias depois da contaminação,
enquanto que os testes imunológicos só
se tornam positivos 8 a 12 semanas depois da contaminação.
Apesar
do avanço de técnicas sorológicas
e moleculares para o diagnóstico da hepatite
C, o diagnóstico histopatológico deve
ser realizado sempre que possível, pois além
de confirmar o diagnóstico e afastar outras
causas concomitantes, permite um amplo estadiamento
da atividade inflamatória e de alterações
estruturais. Na hepatite C alguns marcadores histopatológicos
sugerem seu diagnóstico: presença de
agregados linfóides nos espaços porta,
presença de esteatose, necrose focal, hiperplasia
das células de Kupffer e lesão em ducto
biliar.
TRATAMENTO
O
tratamento da hepatite C tem sido indicado na maioria
dos pacientes por se tratar de doença de caráter
crônico, com potencial evolutivo para cirrose
e carcinoma hepatocelular. Contudo, como os resultados
atuais com o tratamento não são tão
animadores, principalmente no que se refere à
eliminação completa do vírus
e cura, deve-se considerar alguns aspectos relacionados
ao vírus e ao paciente para avaliar a indicação
do tratamento. Estudos relacionados à hepatite
C vem demonstrando que existem alguns fatores preditivos
de boa resposta ao Interferon. São eles: idade
do paciente (paciente jovem), viremia baixa, genótipo
2a, hepatite crônica sem cirrose, paciente imunocompetente,
peso normal e ferritina baixa. Pacientes idosos, obesos,
viremia alta, com cirrose, apresentam pouca chance
de resposta. Nestes casos, deve-se analisar com cautela
a indicação de tratamento.
O
tratamento atual, com melhores resultados, tem sido
a associação do Interferon-a 2a ou 2b
na dose de 3.000.000 de UI, por via subcutânea,
3x semana, com a Ribavirina (nucleosídio anti-viral),
na dose de 1g/dia VO por 12-18 meses. Com a terapêutica
combinada o número de respondedores a longo
prazo chega 40%, contra 15-20% daqueles que usam Interferon
isolado. Contudo, algumas vezes, não se tem
disponível as duas drogas, podendo-se iniciar
o Interferon sozinho e caso não responda nos
primeiros três meses, associar a Ribavirina.
São
considerados respondedores aqueles com resposta bioquímica
(normalização da ALT dentro dos três
primeiros meses) e viral (PCR negativo ao final de
três meses). São considerados respondedores
a longo prazo ou completos pacientes que mantém
ALT normal e PCR negativo seis meses após o
término do tratamento. Chamamos a atenção
que devemos estar atentos, mesmo a estes pacientes,
pois é difícil falar de cura definitiva
até o momento na hepatite C.
O
Interferon possui efeitos colaterais que variam de
leves até severos que se necessite descontinuar
a terapia. Dentre eles, os mais freqüentes são
febre, mialgia, astenia, redução do
número de plaquetas e leucócitos. Estes
sintomas tendem a melhorar e desaparecer com as doses
subseqüentes. Contudo, alguns pacientes, mesmo
utilizando esta droga em tempo mais prolongado, não
melhoram seus sintomas, muitas vezes necessitando
suspender o medicamento. Podem apresentar também
quadros depressivos, manifestações autoimunes
como tireoidites, polineurites, líquen plano,
síndrome vestibular, vasculites e outros.
Já
a Ribavirina apresenta poucos efeitos colaterais.
Os principais são anemia hemolítica
e aumento do ácido úrico precipitando
gota em pacientes predispostos. São raros os
casos que necessita a suspensão do medicamento.
Atualmente
são as armas que temos disponíveis.
Estudos relacionados à vacina parecem já
apresentar alguns resultados satisfatórios,
apesar da heterogeneidade do vírus. Espera-se
que muito em breve, assim como na hepatite B, haverá
vacina disponível para conter esta infecção.
|