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Revista de Gastroenterologia da Fugesp - CÂNCER PRECOCE NO ESTÔMAGO
Mar/Abr-2000

HEPATITE C

Dra. Claudia P.M.S. de Oliveira
Médica pesquisadora da Disciplina de Gastroenterologia da FMUSP

CONSIDERAÇÕES GERAIS

A principal causa das hepatites que eram denominadas não-A não-B ,é o vírus da hepatite C, que consiste atualmente em um dos maiores problemas de saúde pública no mundo inteiro. Estima-se que mais de 300 milhões de pessoas estejam infectadas pelo vírus da hepatite C . A prevalência desta infecção varia de acordo com a área geográfica e com os fatores de risco envolvidos. Nos EUA, a prevalência global de infecção pelo vírus da hepatite C é da ordem de 1,5%, semelhante àquela encontrada no Brasil.

A exposição parenteral por meio de sangue contaminado ou agulhas e seringas contaminadas é considerada a principal via de transmissão da hepatite C. Contudo, ainda permanece pouco conhecida a transmissão dita esporádica, que ocorre em cerca de 30-40% dos casos, na qual não se consegue identificar a via de transmissão. Estudos referentes à transmissão interfamiliar, sexual, ambiental ou materno-fetal são controversos. Embora as possibilidades de transmissão, acima citadas, sejam reais, não explicam a prevalência apontada.

Encontram-se em situação de risco os receptores de sangue e derivados, usuários de drogas injetáveis, pacientes em hemodiálise, transplantados, profissionais da área de saúde, parceiros sexuais de portadores da hepatite C e homossexuais.

CARACTERÍSTICAS DO VÍRUS DA HEPATITE C E PATOGÊNESE

O vírus da hepatite C é um RNA vírus, membro da família Flaviridae, constituído por cerca de 10.000 nucleosídeos. Seu genoma é constituído de regiões responsáveis pela produção de proteínas estruturais do envelope (E1 e E2/NS-1) e do nucleocapsídeo (C), regiões denominadas não codificantes (5' NC e 3' NC) e região de proteínas não estruturais (NS-2 a NS-5) conforme representação abaixo:

5'NC
C
E1
E2/NS-1
NS-2
NS-3
NS-4
NS-5
3'NC

De acordo com a análise da seqüência de nucleotídios da região NS-5, existem os seguintes subtipos ou genótipos: 1a, 1b, 1c, 2a , 2b, 2c, 3a, 3b, 4, 5a, 6a. Esta análise permitiu avaliar a diversidade de evolução clínica e resposta ao tratamento, de acordo com o genótipo. Por exemplo, o genótipo 1b parece apresentar uma evolução clínica mais desfavorável e uma pior resposta ao tratamento.

Quanto à patogênese, segundo alguns autores, o vírus C exerce seu efeito deletério ao fígado tanto por mecanismo citopático como imunológico. Contudo, pela dificuldade de cultivo in vitro do vírus, ainda não se conseguiu elucidar completamente a patogenia. Como ocorre a necrose hepatocelular, por via direta (citopática) ou indireta (imunológica)? Como o vírus desencadeia transformação maligna no hepatócito? Será por mecanismo ligado à própria regeneração celular ou o vírus è carcinogênico por si mesmo.? Estas, entre outras, são indagações não respondidas.

QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO

Grande parte dos pacientes portadores do vírus C da hepatite são assintomáticos. Geralmente, recebem o diagnóstico ao acaso, durante a realização de exames de rotina, os quais mostraram elevação das aminotransferases, fato que impõe a pesquisa de marcadores virais das hepatites.

Quando presentes, os sintomas da hepatite C são leves e inespecíficos tais como astenia, anorexia, fadiga, perda de peso e desconforto no hipocôndrio direito. Nos casos em que o diagnóstico de hepatite C é efetuado durante investigação de um quadro de cirrose hepática, os sinais e sintomas não diferem de outras causas de cirrose hepática: hipertensão portal (esplenomegalia, varizes de esôfago, ascite, circulação colateral) e insuficiência hepática (eritema palmar, telangectasias, ginecomastia). Não é muito freqüente hepatite aguda relacionada ao vírus C.

MANIFESTAÇÕES EXTRA-HEPÁTICAS

Algumas manifestações clínicas extra-hepáticas características de doença imunológica têm sido observadas em pacientes com hepatopatia por vírus C. Crioglobulinemia, vasculites, artralgia e glomerulopatias associam-se ao vírus C. Outras doenças como tiroidites, poliarterite nodosa, lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatóide, líquen plano e vitiligo também têm sido relacionadas à hepatite C. Estudos futuros esclarecerão de forma mais consistente estas associações.

O diagnóstico desta hepatite é aventado, na maioria dos casos, como comentado acima, em pacientes assintomáticos, durante um exame de rotina ou pré-operatório, quando se percebe elevação persistente das aminotransferases e/ou de gama GT. Também deve-se pensar na hepatite C em pacientes com hepatopatia crônica que apresentem sinais ou sintomas de hipertensão portal e/ou de insuficiência hepática.

Os sinais de insuficiência hepática, além do que nos fornece o exame físico, revela-se por alterações nos fatores de coagulação, particularmente do tempo de protrombina e de fator V; há redução da albumina sérica e elevação da gama globulina, nas formas crônicas.

O diagnóstico sorológico é realizado através da pesquisa do anti-HCV por ELISA ou "immunoblot" Riba de segunda e terceira gerações. Estes testes apresentam sensibilidade e especificidade altas. Contudo, mesmo assim, alguns poucos casos, principalmente de infecção aguda, escapam à detecção por estes métodos.

A reação por PCR (reação em cadeia da polimerase) consiste na ampliação das seqüências genômicas do vírus a partir de "primers" (pares de oligonucleotídios), possibilitando a ligação do RNA específico à síntese do DNA complementar, ampliando a possibilidade de identificação e sorotipagem do material genético. O PCR também facilita o diagnóstico de hepatite C aguda, pois é positivo 5 a 10 dias depois da contaminação, enquanto que os testes imunológicos só se tornam positivos 8 a 12 semanas depois da contaminação.

Apesar do avanço de técnicas sorológicas e moleculares para o diagnóstico da hepatite C, o diagnóstico histopatológico deve ser realizado sempre que possível, pois além de confirmar o diagnóstico e afastar outras causas concomitantes, permite um amplo estadiamento da atividade inflamatória e de alterações estruturais. Na hepatite C alguns marcadores histopatológicos sugerem seu diagnóstico: presença de agregados linfóides nos espaços porta, presença de esteatose, necrose focal, hiperplasia das células de Kupffer e lesão em ducto biliar.

TRATAMENTO

O tratamento da hepatite C tem sido indicado na maioria dos pacientes por se tratar de doença de caráter crônico, com potencial evolutivo para cirrose e carcinoma hepatocelular. Contudo, como os resultados atuais com o tratamento não são tão animadores, principalmente no que se refere à eliminação completa do vírus e cura, deve-se considerar alguns aspectos relacionados ao vírus e ao paciente para avaliar a indicação do tratamento. Estudos relacionados à hepatite C vem demonstrando que existem alguns fatores preditivos de boa resposta ao Interferon. São eles: idade do paciente (paciente jovem), viremia baixa, genótipo 2a, hepatite crônica sem cirrose, paciente imunocompetente, peso normal e ferritina baixa. Pacientes idosos, obesos, viremia alta, com cirrose, apresentam pouca chance de resposta. Nestes casos, deve-se analisar com cautela a indicação de tratamento.

O tratamento atual, com melhores resultados, tem sido a associação do Interferon-a 2a ou 2b na dose de 3.000.000 de UI, por via subcutânea, 3x semana, com a Ribavirina (nucleosídio anti-viral), na dose de 1g/dia VO por 12-18 meses. Com a terapêutica combinada o número de respondedores a longo prazo chega 40%, contra 15-20% daqueles que usam Interferon isolado. Contudo, algumas vezes, não se tem disponível as duas drogas, podendo-se iniciar o Interferon sozinho e caso não responda nos primeiros três meses, associar a Ribavirina.

São considerados respondedores aqueles com resposta bioquímica (normalização da ALT dentro dos três primeiros meses) e viral (PCR negativo ao final de três meses). São considerados respondedores a longo prazo ou completos pacientes que mantém ALT normal e PCR negativo seis meses após o término do tratamento. Chamamos a atenção que devemos estar atentos, mesmo a estes pacientes, pois é difícil falar de cura definitiva até o momento na hepatite C.

O Interferon possui efeitos colaterais que variam de leves até severos que se necessite descontinuar a terapia. Dentre eles, os mais freqüentes são febre, mialgia, astenia, redução do número de plaquetas e leucócitos. Estes sintomas tendem a melhorar e desaparecer com as doses subseqüentes. Contudo, alguns pacientes, mesmo utilizando esta droga em tempo mais prolongado, não melhoram seus sintomas, muitas vezes necessitando suspender o medicamento. Podem apresentar também quadros depressivos, manifestações autoimunes como tireoidites, polineurites, líquen plano, síndrome vestibular, vasculites e outros.

Já a Ribavirina apresenta poucos efeitos colaterais. Os principais são anemia hemolítica e aumento do ácido úrico precipitando gota em pacientes predispostos. São raros os casos que necessita a suspensão do medicamento.

Atualmente são as armas que temos disponíveis. Estudos relacionados à vacina parecem já apresentar alguns resultados satisfatórios, apesar da heterogeneidade do vírus. Espera-se que muito em breve, assim como na hepatite B, haverá vacina disponível para conter esta infecção.

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