ESTEATOSE
HEPÁTICA
Dra.
Cláudia Pinto Marques Souza de Oliveira
(Reprodução eletrônica)
INTRODUÇÃO
Esteatose Hepática (infiltração
gordurosa do fígado) é uma das alterações
hepatocelulares mais freqüentes, constituindo
um achado comum em biópsias hepáticas.
Evidências circunstanciais sugerem que a esteatose
pode ser uma das causas etiopatogênicas da doença
crônica do fígado.
A obesidade, diabetes, dislipidemias, "bypass"
jejunoileal, nutrição parenteral prolongada
e uso de drogas têm sido relatados como fatores
predisponentes à instalação da
esteatose hepática.
Algumas
hipóteses vêm sendo consideradas na fisiopatogênese
das esteato-hepatite não alcoólica,
entre elas:
-
A injúria hepática poderia ser desencadeada
por endotoxinas e citocinas,
-
Ou pelo aumento do estresse oxidativo hepático.
A
primeira sugere que o acúmulo de gordura
no hepatócito, seguido de inflamação,
possa derivar da ação de endotoxinas
e citocinas liberadas em situações
patológicas.
Esta
teoria foi inicialmente sugerida por Haines
e col., observando a alta incidência de
esteatose e cirrose em pacientes submetidos
a "bypass" jejunoileal para controle
da obesidade.
Segundo
estes autores, a cirurgia por si acarreta endotoxemia
portal que estimula as citocinas, desencadeando
assim a resposta inflamatória.
Além
disso, o uso de antibióticos reduziu
a esteatose e o risco de insuficiência
hepática nestes pacientes.
Outro
fato recente que corrobora esta hipótese
é que alguns autores, estudando camundongos
geneticamente obesos que têm esteatose
espontânea, observaram que estes animais
apresentam prejuízo na função
fagocítica e sensibilidade aumentada
à endotoxina, sugerindo que a endotoxemia
pode ser um dos mecanismos patogênicos
da esteatose. |
Contudo,
esta teoria não parece explicar claramente
a esteatose em outras condições clínicas
que não a obesidade e suas entidades associadas
(diabetes, dislipidemias).
A
outra hipótese que vem sendo aventada
é de que exista um aumento do estresse
oxidativo hepático que promoveria
lipoperoxidação de membranas,
ativação de células inflamatórias
e de citocinas, estímulo das células
de ITO e, conseqüentemente, fibrogênese.
Esta teoria parece mais atraente, pois se enquadra
na grande maioria das condições
clínicas que estão associadas
com esteatose / esteato-hepatite.
O
estresse oxidativo seria conseqüência
do aporte aumentado de ácidos graxos
livres ao fígado, excedendo assim a capacidade
oxidativa da mitocôndria hepática.
Esta
geração excessiva de partículas
reativas de oxigênio, em última
instância, causariam a lipoperoxidação
de membranas.
Os
metabólitos da lipoperoxidação
da membrana do hepatócito (como o malonaldeído)
e as partículas reativas de oxigênio
são importantes agentes pró-inflamatórios
que parecem ativar as células de ITO,
favorecendo a fibrogênese. |
Baseado
nesta última hipótese, de que o estresse
oxidativo pode ser um dos mecanismos importantes na
gênese da esteatose / esteato-hepatite, propusemos
o seguinte estudo:
-
Avaliar o papel do estresse oxidativo na gênese
da esteatose hepática experimental em ratos;
- Correlacionar
o estresse oxidativo hepático a aspectos
clínicos, laboratoriais e anatomopatológicos
em ratos com esteatose induzida por dieta deficiente
em colina.
MATERIAL
E MÉTODOS
-
Animais e Preparação Experimental
Ratos Wistar, do sexo masculino, com peso de 300-350
g provenientes do Biotério da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo foram
distribuídos em dois grupos por meio de tabela
de classificação seqüencial randomizada:
- Grupo
I (G1): animais com dieta deficiente em colina (4
semanas)
- Grupo
II (G2): animais com dieta deficiente em colina
(12 semanas)
- Grupo
III (G3): animais com dieta com colina (12 semanas-controle)
Os animais foram mantidos em gaiolas apropriadas,
recebendo água e ração balanceada
com ou sem colina, dependendo do grupo em que foram
sorteados. Permaneceram em dieta com ou sem colina
por 4 ou 12 semanas e, após este período,
todos os animais foram sacrificados retirando-se plasma
para avaliação bioquímica e fragmentos
do tecido hepático para avaliação
histológica e do estresse oxidativo.
- Avaliação
da Lesão Hepatocelular
Anatomia Patológica
Fragmentos de tecido hepático foram fixados
em formol salino a 10% e submetidos a colorações
Hematoxilina-eosina (HE), Tricrômio de Masson,
Perls para pigmentos, SCHARLACH R para gorduras
neutras e impregnação do retículo
por sais de prata. Foram semi-quantificados de 0
a 3+ os seguintes parâmetros histológicos:
esteatose micro e/ou macro, sua distribuição
zonal, infiltrado inflamatório e sua distribuição
zonal, fibrose portal e perivenular, necrose focal.
Bioquímica
Realizada punção cardíaca no
animal ainda vivo e retirados 3-4 ml de sangue do
ventrículo. Posteriormente, as amostras séricas
foram centrifugadas a 3.000 rpm durante 10 minutos
(centrífuga Excelsa Baby II modelo 206-R)
e analisadas à UV (ultravioleta).
Foram determinados os níveis séricos
de AST, ALT, colesterol e triglicerídeos.
-
Avaliação do Estresse Oxidativo Hepático
A formação dos radicais superóxido
(O2) por fragmento de tecido hepático ex
vivo foi determinada por quimiluminescência
amplificada pela lucigenina.
O fragmento hepático imediatamente após
o sacrifício foi lavado com solução
salina e colocado em tubo de ensaio contendo solução
de Krebs-Hepes. O tampão foi mantido em pH
= 7.4, a 37ºC, continuamente borbulhado com
mistura de O2, 95% e CO2, 5% por 30 minutos. Posteriormente,
o tecido hepático foi colocado no luminômetro
Berthold acrescentado de lucigenina (bis-N-methylacrydinium;
Sigma Chemical Co., St Louis, USA). Após
contagens, os fragmentos foram secos em estufa 60ºC
e pesados. Em cada animal, as contagens médias
foram normalizadas para peso seco do tecido hepático
e os valores expressos em contagens por minuto por
miligrama de peso seco (cpm/mg/min x 103).
-
Análise Estatística
Os dados foram expressos em médias ±
DP. O valor de p considerado
significante foi < 0,05 por ANOVA.
RESULTADOS
Tabela 1 - Valores Séricos das Enzimas Hepáticas,
Colesterol e Triglicerídeos e valores numéricos
da Luminescência Amplificada pela Lucigenina.
G |
N |
AST |
ALT |
Colest. |
Triglic. |
Luminescência |
G1 |
6 |
108
± 3 |
40
± 1 |
36
± 1 |
88
± 3 |
1393
± 790 |
G2 |
6 |
158
± 6* |
27
± 8 |
55
± 1 |
146
± 3 |
7191
± 500 |
G3 |
6 |
26
± 2 |
34
± 5 |
40
± 7 |
42
± 7 |
513
± 170 |
p
< 0.05 G1 e G2 x controle (G3); p
< 0.05 G2 x G1
*p < 0.05
Dados expressos em média ± DP
Contagens
de luminescência expressas em cpm/mg/min 103
Valores normais em U/L da AST = 10-34; ALT = 10-44;
Colesterol e triglicerídeos até 200.
|
Foto
1 - Esteatose macrovesicular grau II, de distribuição
nitidamente periportal (HE, aumento 40x). |
Foto
4 - Esteatose macro e microvesicular, de distribuição
periportal, mais intensa em G2 (HE, aumento 40x). |
|
DISCUSSÃO
A
relação causal entre Esteatose / Esteato-hepatite
Não Alcoólica, fibrogênese e doença
crônica do fígado, assim como sua patogênese,
permanece pouco conhecida.
Induziu-se
esteatose hepática em ratos com dieta deficiente
em colina e se observou infiltração
gordurosa macro e microvesicular periportal em todos
os animais submetidos à dieta.
Os
achados anátomo-patológicos apresentaram
estreita correlação com o aumento do
estresse oxidativo hepático e com a elevação
dos triglicerídeos séricos e da AST
nos grupos que receberam a dieta sem colina, quando
comparados com o grupo controle.
Estes
achados foram mais severos no grupo que utilizou dieta
sem colina por tempo mais prolongado.
Não observamos nos animais submetidos à
dieta deficiente em colina, nem mesmo naqueles submetidos
a 12 semanas, a clássica descrição
para esteatohepatite não alcoólica,
que além da esteatose apresenta processo inflamatório,
necrose e graus variados de fibrose.
Teramoto
e col. (12), testando se a esteatose contribui para
falência do enxerto hepático no transplante,
também não encontraram fibrose nos animais
submetidos à dieta deficiente em colina e metionina.
Da
mesma forma, Lettéron e col.(13), utilizando
drogas (dexametasona, metionina, tetraciclina, amiodarona)
para induzir à esteatose, não observaram
fibrose ou infiltrado inflamatório.
Contudo,
existe relato de que a dieta deficiente em colina
e/ou metionina pode propiciar o surgimento de insuficiência
hepática e renal (14).
O
fato de os ratos não terem desenvolvido fibrose
e/ou inflamação sugere que estes animais
sejam mais resistentes à fibrogênese,
necessitando de fatores adjuvantes como álcool,
lipopolissacárides, diabetes, ou que o tempo
utilizado por nós e por outros tenha sido insuficiente
para desenvolver inflamação e fibrose.
Curiosamente,
a distribuição zonal da esteatose no
rato foi predominantemente periportal enquanto que
no homem é predominantemente de zona III ou
próximo à veia centro-lobular.
A
máxima gradação de esteatose
macro e microvesicular foi encontrada no grupo submetido
a 12 semanas de dieta sem colina. Neste grupo constatou-se
também elevação da AST e dos
triglicérides, não tendo sido observadas
alterações significativas nos parâmetros
bioquímicos de ALT e do colesterol.
O estresse oxidativo medido por quimiluminescência
amplificada por lucigenina foi nitidamente maior nos
grupos com privação da colina, e também
foi mais elevado no grupo que usou a dieta por tempo
prolongado.
A quimiluminescência mede a reação
química de compostos eletricamente excitados
que emitem luz ao retornar ao seu estado basal. Quando
amplificada pela lucigenina, mede indiretamente a
produção do radical superóxido.
Apesar de suas limitações por ser um
método indireto, constitui um método
adequado para avaliar a produção de
espécies reativas de oxigênio quando
utilizado comparativamente.
Na
patogênese da esteato-hepatite não alcoólica
existe a hipótese de haver um aumento do estresse
oxidativo hepático.
Neste
estudo, observamos um significante aumento na luminescência
dos fígados de animais submetidos à
dieta deficiente em colina e, novamente, foi maior
no grupo com 12 semanas de dieta. Este estudo corrobora
a hipótese que o estresse oxidativo participa
da gênese da esteato-hepatite, pois evidenciamos
que o estresse oxidativo aumenta à medida que
o animal é exposto ao agente agressor por mais
tempo, tendo tal fato ocorrido nos três aspectos
estudados: bioquímico, histopatológico
e do estresse oxidativo.
CONCLUSÕES
-
O estresse oxidativo encontra-se aumentado na esteatose
hepática experimental.
-
A produção de espécies reativas
de oxigênio se acentua ao longo do tempo do
experimento.
- Embora
não se tenha obtido modelo histológico
típico de NASH, as alterações
produzidas pelo estresse oxidativo podem ser uma
etapa importante na patogênese da NASH.
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