LAMIVUDINE
NO TRATAMENTO DA HEPATITE B
Dr.
Lúcio Côrtes dos Anjos
Médico Pesquisador da Disciplina de Gastroenterologia
da USP
Estima-se
que há cerca de 300 milhões de portadores
crônicos do vírus da hepatite B (VHB)
em todo o mundo. A infecção crônica
pelo VHB pode evoluir de forma assintomática,
sem produzir processo inflamatório hepático,
ou como hepatite crônica. A hepatite crônica
pode culminar com a evolução para cirrose,
insuficiência hepática e carcinoma hepatocelular.
O tratamento da hepatite crônica pelo VHB tem
como objetivo interromper a replicação
viral de forma sustentada, reduzindo o risco de transmissão,
a inflamação hepática e, conseqüentemente,
o risco de evolução para cirrose e suas
formas descompensadas.
De forma geral, o tratamento está indicado
nos casos em que há evidências de replicação
viral: AgHBe-positivo no soro, AgHBc-positivo no tecido
hepático por imuno-histoquímica, DNA-VHB
no soro por hibridização molecular ou
por PCR e de lesão inflamatória hepática:
elevação de aminotransferases e/ou alterações
histológicas.
A droga mais utilizada, em que se acumula maior experiência
no tratamento da hepatite crônica pelo VHB (HC-VHB)
é o interferon alfa recombinante (IFN). Contudo,
há restrições à sua administração
em cirróticos, os efeitos colaterais são
freqüentes e sua eficácia é modesta.
Os resultados são variáveis. Meta-análise
publicada por Wong et al em 1993 relatou que o IFN
é capaz de induzir negativação
do AgHBe em 33% dos pacientes contra 12% nos controles
não tratados. Entre os pacientes com DNA-VHB
positivo, elevação de aminotransferases
e Anti-HBe-positivo, 10 a 25% apresentam resposta
com redução das aminotransferases séricas,
mas recaídas são freqüentes.
Devido às limitações do IFN no
tratamento da hepatite crônica B, o inconveniente
de sua administração parenteral, seus
efeitos colaterais e sua eficácia moderada,
outras drogas vêm sendo avaliadas para o combate
à infecção pelo VHB.
A LAMIVUDINA NA HEPATITE B
A mais promissora das novas drogas contra o VHB é
a lamivudina (2', 3' - dideoxi - 3' - tiacintidina),
também conhecida como 3 -TC.
A lamivudina (LMV) atua inibindo a síntese
de DNA viral. A droga é rapidamente absorvida
após administração oral, com
biodisponibilidade superior a 80%. A maior parte da
droga é excretada por via urinária sem
sofrer metabolização. Desde 1990, a
LMV tem sido utilizada no tratamento da infecção
pelo HIV. E em 1995, Dienstag et al relataram que
100% dos pacientes tratados com LMV 100 mg por dia
por 12 semanas apresentaram negativação
do DNA-VHB por técnica de hibridização
molecular. Lai et al, em 1997, publicaram estudo randomizado
controlado por placebo, utilizando LMV por 52 semanas,
e demostraram que a administração de
LMV promove melhora histológica em 56% do pacientes
tratados. Em 1998, Lai et al, Dienstag et al, Heathcote
et al e Schiff et al divulgaram resultados de estudos
de fase III nos quais as taxas de negativação
do AgHBe e da soroconversão para Anti-HBe após
52 semanas de tratamento foram respectivamente de
17 a 33% e de 17 a 21%.
TRATAMENTO DA INFECÇÃO POR VHB MUTANTE
PRÉ-CORE (AgHBe-NEGATIVOS)
Recentemente, em 1999, Tassopoulos et al, avaliando
a eficácia da LMV em pacientes portadores da
forma mutante pré-core do VHB, com AgHBe-negativo,
Anti-HBe positivo, DNA-VHB positivo e hepatite crônica
ativa, concluíram que a droga é capaz
de inibir a replicação viral (DNA-VHB
negativo por hibridização - bDNA), normalizar
a ALT em 63 % dos casos e de promover melhora histológica
em 42% dos tratados por 52 semanas com 100 mg/dia.
RETRATAMENTO
DA HEPATITE CRÔNICA
Schiff et al, em 1998, publicaram resultado de estudo
multicêntrico no retratamento de 238 pacientes
com hepatite crônica B que não responderam
ao IFN previamente, e observaram que a monoterapia
com LMV (100 mg/dia por 52 semanas) foi superior a
LMV por 8 semanas, seguida de terapia combinada com
IFN 10 MU 3 vezes por semana por mais 16 semanas e
ao placebo por 52 semanas. Lamivudina foi associada
a maior freqüência de soroconversão
AgHBe-AntiHBe (18% vs 12% e 13%, respectivamente),
normalização sustentada de ALT (44%
vs 18% e 15%) e melhora histológica (52% vs
32% e 25%).
EFEITOS COLATERAIS E RESISTÊNCIA
A LMV é em geral muito bem tolerada, e relativamente
poucos efeitos colaterais graves foram relatados.
Estes incluem anemia, neutropenia, elevação
de aminotransferases, náuseas, neuropatia e
foram relatados em até 5% dos casos tratados,
embora não se possa na maioria das situações
descartar o efeito do uso concomitante a outras drogas.
Elevação de amilase e lipase séricas
ocorre raramente, mas sem associação
de evidências clínicas e radiológicas
de pancreatite.
O uso prolongado (9 meses ou mais) tem sido associado
à emergência de mutantes do VHB resistentes
a LVM em 15% a 25% dos casos. A substituição
de valina por metionina ou isoleucina no locus YMDD
da DNA-polimerase viral (YVDD ou YIDD) confere ao
vírus resistência à droga de 10.000
vezes ou mais se comparado à cepa selvagem.
Após o surgimento de mutantes resistentes,
há recaída com positivação
do DNA-VHB e elevação de aminotransferases.
No entanto, os níveis são geralmente
inferiores ao pré-tratamento, sugerindo que
pode persistir um efeito supressor da droga sobre
o VHB.
Exacerbações podem ocorrer na suspensão
do tratamento, mas raros são os casos em que
se relatou falência hepática. Segundo
Leung et al (1998), na maioria dos casos as exacerbações
são leves, autolimitadas, sem repercussão
clínica ou na função hepática.
A reintrodução da LMV controla os casos
de exacerbação mais graves.
USO NA CIRROSE
A LMV em dose habitual é segura em cirróticos
com resposta provavelmente semelhante àquela
originada por sua administração em não-cirróticos.
E segundo Villeneuve et al (1998), a resposta ao tratamento
é acompanhada de melhora da função
e compensação do quadro de insuficiência
hepática. No entanto, benefício em termos
de sobrevida carece de comprovação.
CONCLUSÃO
A lamivudina é hoje droga de primeira linha
no tratamento da infecção crônica
pelo VHB. É segura, eficaz e pode ser utilizada
com bons resultados nas mais diversas formas de apresentação
clínica. Tem a vantagem de ser administrada
por via oral e ser bem tolerada. Entretanto, não
se conhecem dados sobre segurança na gravidez
e lactação, e poucas informações
sobre uso pediátrico estão disponíveis.
A duração do tratamento está
por ser definida, mas assume-se que deve ser de pelo
menos 12 meses. E o papel de tratamento combinado
com interferon ou outras drogas não foi até
o momento adequadamente estudado. |