DIAGNÓSTICO
DA HEPATITE PELO VÍRUS C
Dr. José Eymard Moraes de Medeiros Filho
Pós-Graduando da Disciplina de Gastroenterologia Clínica
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
A
história natural da infecção crônica pelo
VHC é ainda incompleta, em parte devido ao recente tempo de conhecimento
do seu agente etiológico, em parte devido às alterações
introduzidas na evolução natural da doença com
o tratamento com IFN e ribavirina, um análogo nucleosídico
que eleva a taxa de resposta sustentada ao tratamento com IFN.
Entretanto,
estudos retrospectivos de pacientes com a anteriormente denominada hepatite
nãoA - nãoB, cujo agente etiológico
foi reconhecido como sendo o VHC, permitem reconstruir
a provável evolução da história natural
da sua infecção. Entretanto, muitas dúvidas persistem
no que tange à infecção aguda pelo VHC, raramente
documentada, exceto em casos de acidentes com material contaminado,
na maioria das vezes em profissionais da área de saúde.
Considera-se
que, após uma infecção com o VHC, apenas 15%
a 20% dos pacientes são capazes de erradicar espontaneamente
o vírus, ao passo que até 85% deles persistem com
infecção crônica, caracterizada pela persistência
do RNA do VHC no sangue.
Entretanto,
mais recentemente, alguns estudos têm questionado essa visão,
visto que dois estudos retrospectivos em mulheres jovens que
receberam gamaglobulina anti-RhD para profilaxia de isoimunização
Rh pós-parto demonstraram taxas de erradicação
da viremia em até 50%.
Atualmente,
considera-se que a maior parte dos pacientes persistem com viremia
detectável, podendo a agressão tecidual ser variável,
a depender de características virais e constitucionais do próprio
hospedeiro.
Destes
pacientes cronicamente infectados, caracterizados por sorologia VHC
ELISA positiva e viremia detectável, aproximadamente 20% evoluem
sem lesão tecidual, denotando o fígado de aspecto
reacional à histologia.
Entre
80% a 85 % dos pacientes apresentam lesão histológica
compatível com hepatite crônica, com atividade de
interface, e variados graus de fibrose. Entre estes, a doença
pode tomar dois rumos:
- uma evolução
indolente, sem progressão significativa da fibrose e atividade
inflamatória discreta,
- e outro de curso
mais agressivo, com fibrose e desorganização da estrutura
lobular do parênquima hepático, levando à cirrose
e hipertensão portal em quase 20% dos casos.
Analisando
esta população de cirróticos, grupo de
risco tanto para descompensação da doença com insuficiência
hepatocelular ou por surgimento de hepatocarcinoma, os números
são extremamente variáveis. Entretanto, a maior parte
dos autores consideram que 25% destes irão descompensar ao
longo do tempo, com sinais de insuficiência hepatocelular (ascite,
encefalopatia hepática, etc.) e complicações da
hipertensão portal, que encurtam a sobrevida do paciente.
Uma taxa de surgimento
de hepatocarcinoma de aproximadamente 3% ao ano
é estimada nessa população de cirróticos
em seguimento (FIGURA 1). Alguns fatores de risco são relacionados
à maior velocidade de progressão da doença,
e conseqüente maior risco de descompensação, a saber:
- sexo masculino,
- idade maior que
40 anos quando da aquisição da infecção,
- associação
com alcoolismo e/ou imuno-supressão (exemplo: HIV),
- co-infecção
com o vírus da hepatite B.
Outros fatores relacionados,
porém mais controversos, incluem a infecção por
genótipo 1b, alta carga viral e nível elevado de aminotransferases
(TABELA 1).
Quanto ao
diagnóstico da infecção pelo VHC, muito
se avançou nos últimos anos. Atualmente, detecta-se a
infecção pelo VHC através da pesquisa de anticorpos
contra o VHC, identificando-se contato prévio com o vírus
(exemplo, ELISA) ou através da pesquisa de genomas virais,
por métodos de biologia molecular, que permitem o diagnóstico
de infecção atual.
Para a detecção
de indivíduos potencialmente infectados pelo VHC,
ou seja, para rastreamento de infectados em uma população
de risco, recomenda-se o uso de testes de ELISA de terceira geração.
Através da detecção de anticorpos contra o VHC,
permite a identificação de prováveis infectados,
aliando alta sensibilidade e especificidade (aproximadamente
98%) a custo baixo e fácil implementação, mesmo
em regiões menos desenvolvidas. É hoje o teste recomendado
para triagem de bancos de sangue, pacientes hemodialisados, doadores
de órgãos e tecidos, receptores de sangue ou hemoderivados
(principalmente se antes de 1992), usuários de drogas injetáveis
e pacientes com alteração persistente de aminotransferases,
que constituem os grupos de risco e população-alvo a ser
avaliada.
Demonstrando-se a positividade do teste por ELISA, faz-se míster
a confirmação de infecção ativa pela
presença de RNA do VHC detectável no plasma. Entre
os exames atualmente disponíveis, a PCR (reação
de polimerização em cadeia, que amplifica os genomas virais)
é o mais difundido e que apresenta maior padronização,
através da existência de kits comerciais que permitem a
determinação tanto qualitativa (presença ou ausência
de RNA detectável - positivo ou negativo) quanto quantitativa,
determinando assim o nível de carga viral.
A quantificação
da carga viral apresenta vantagem apenas na fase pré-tratamento,
sendo o seguimento durante tratamento feito através da PCR qualitativa.
Um outro método
mais recente, que alia alta especificidade à maior sensibilidade
atualmente disponível (10 UI/ml) é o TMA (Transcription
Mediated Assay). Apesar de promissor, seu uso ainda não se encontra
amplamente difundido e sua importância nas pesquisas ainda se
limita na confirmação de viremia indetectável naqueles
casos que apresentam recaída após a suspensão do
tratamento.
Confirmada a existência
de infecção pelo VHC, necessita-se da realização
da biópsia hepática para análise histológica
do grau de lesão tecidual hepática.
- Pacientes com
mínima atividade de interface e sem fibrose significativa
não são recomendados para tratamento, em vista do baixo
risco de progressão da doença, principalmente se apresentarem
aminotransferases dentro do valor de normalidade.
- Entretanto, aqueles
com atividade periportal maior ou igual a dois devem
ser considerados para terapia com interferon e ribavirina, avaliando-se
a existência de contra-indicações a sua utilização.
FIGURA
1 - História Natural da Infecção VHC
TABELA
1- FATORES DE RISCO PARA DOENÇA MAIS AGRESSIVA
- SEXO MASCULINO
- INFECÇÃO
APÓS OS 40 ANOS
- ALCOOLISMO
- CO-INFECÇÃO
COM HIV OU VHB
- ELEVAÇÃO
DE AMINOTRANSFERASES *
- GENÓTIPO
1 *
- ALTA CARGA VIRAL
(> 850.000 UI/ML) *
* CONTROVERSO
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