ENDOSCOPIA
EM AÇÃO
Dalton
Marques Chaves
Médico Assistente do Serviço de Endoscopia do HC-FMUSP
WATERMELON
STOMACH
DEFINIÇÃO
O
termo Watermelon Stomach foi empregado por Jabbari et al. em 1984 ao
descrever uma afecção vascular do antro gástrico,
comparando seu aspecto endoscópico com as estrias da casca de
melancia. Na sua descrição clássica, tratava-se
de angiectasias coalescentes, em forma de estrias longitudinais, que
convergiam para o piloro.
Em
1990, Chawla et al. diferenciaram três padrões de Ectasia
Vascular do Antro Gástrico (EVAG):
- Padrão
em estrias de melancia (Watermelon Stomach) (Fig. 1);
|
Fig.
1- Aspecto endoscópico clássico do Watermelon Stomach.
|
- Padrão
em favo de mel (honeycomb), caracterizado por lesões angiodisplásicas
coalescentes, acometendo difusamente o antro (Fig. 2);
Fig.
2- Ectasia vascular difusa do antro gástrico. |
|
- Padrão
em cogumelo (mushroom) é o menos comum e caracterizado por um
tufo de vasos ectasiados e bem delimitados.
Atualmente
podemos acrescentar um padrão de EVAG que se associa 100% aos
hepatopatas, tipo puntiforme difuso, não tão coalescente
como as descrições do Watermelon (Fig. 3).
Fig.
3 - Pontos de angiectasia distribuídos difusamente no antro. |
|
DIAGNÓSTICO
HISTOLÓGICO
Os primeiros estudos
histológicos de EVAG foram de peças cirúrgicas,
em que revelaram ectasia de vasos da mucosa e submucosa com trombos
de fibrina e hiperplasia fibromuscular na lâmina própria.
Posteriormente, estudos de biópsia endoscópica também
evidenciaram estas mesmas alterações. Porém, em
alguns estudos não foram encontradas em todos os pacientes quando
se realizou biópsia endoscópica. A presença de
ectasia vascular da mucosa com trombos de fibrina é o achado
mais freqüente nas biópsias endoscópicas (Fig. 4).
Fig.
4- Mucosa gástrica com acentuada ectasia vascular com trombos
de fibrina. |
|
ETIOPATOGENIA
A etiologia da
EVAG é desconhecida; contudo a sua apresentação
clínica, seu aspecto endoscópico e suas alterações
histopatológicas fazem supor que se trata de condição
adquirida. Duas são as hipóteses etiopatogênicas:
traumática e hormonal.
A hipótese
da origem traumática afirma que o prolapso da mucosa antral pelo
piloro poderia levar a um traumatismo crônico, e a semelhança
que ocorre com os prolapsos de colostomias, ileostomias, intussuscepções
e prolapsos retais pode levar à formação de angiectasias.
Outra hipótese
é de origem humoral, pois a acloridria e atrofia da mucosa gástrica
é uma associação comum nesses pacientes. O real
valor desta associação também não está
claro, porém esta alteração produz estímulo
à produção de gastrina, que por sua vez leva à
hiperplasia das células neuroendócrinas do corpo gástrico.
A produção de substâncias vasoativas pelas células
neuroendócrinas associada à hipergastrinemia pode levar
à vasodilatação, hipermotilidade ou à hiperplasia
fibromuscular da lâmina própria, que atuaria como estrangulador
dos vasos da mucosa.
ASPECTOS CLÍNICOS
A EVAG é
mais comum em mulheres, relação F/M de 3:1, idade média
de 70 anos e raramente abaixo dos 50 anos. Freqüentemente está
associada a doenças auto-imunes ou do tecido conectivo, como
cirrose biliar primária, hipotireoidismo, fenômeno de Raynaud,
esclerodactilia e anemia perniciosa. Associação com outras
doenças não de caráter imunológico também
são relatadas, como a insuficiência coronariana, doença
pulmonar obstrutiva crônica, mal de Parkinson, insuficiência
renal crônica, diabete. A gastrite crônica atrófica
do corpo gástrico é uma associação em praticamente
100%.
O paciente geralmente
se apresenta com história de anemia ferropriva crônica,
em geral com mais de 2 anos e às vezes com episódios de
melena. Em vista desta anemia, os pacientes são politransfundidos.
A anemia perniciosa
pela gastrite atrófica também se associa à anemia
ferropriva. É comum o exame endoscópico prévio,
com diagnóstico de gastrite enantematosa intensa ou hemorrágica.
Níveis de hemoglobina geralmente abaixo de 8,0 g% e baixos níveis
de ferro sérico são a regra. Alterações
do tempo de protrombina devem-se, freqüentemente, a hepatopatias
associadas.
Em nossa experiência
temos verificado que o aspecto puntiforme difuso da EVAG se associa
a níveis de plaqueta menor que 100 000/mm³, e não
necessariamente se associa à atrofia da mucosa do corpo gástrico;
e os achados histológicos não são exuberantes como
no Watermelon clássico. Estas observações não
são relatadas na literatura.
TRATAMENTO
A antrectomia cirúrgica
foi a primeira forma de tratamento descrita. Leva ao controle da anemia
crônica em praticamente todos os pacientes. O fator limitante
é o alto risco cirúrgico geralmente pela idade avançada
e freqüente associação com afecções
graves, contra-indicando o método.
O tratamento clínico
com estrógeno-progesterona pode ser empregado. A dose de 30 microgramas
de ethynil estradiol e 1,5 mg de noretisterona, em uso contínuo,
foi relatada com sucesso no controle da anemia na maioria dos pacientes.
O tratamento endoscópico
é atualmente a opção terapêutica mais empregada.
Entre os métodos utilizados podemos citar a eletrocoagulação,
heat probe, Nd-Yag laser e mais recentemente o coagulador de plasma
de argônio (APC) e a ligadura elástica.
Todas as opções
são citadas com sucesso pela maioria dos estudos publicados.
Nossa experiência com o APC levou à melhora clínica
em uma fase inicial, porém a recidiva foi comum, sendo necessárias
repetidas sessões no máximo a cada 3 meses.
Entre os pacientes
tratados no nosso serviço com APC, em apenas um as lesões
desapareceram por completo, num seguimento de 13 meses, considerado
como curado.
Outro paciente,
após várias sessões de tratamento, desenvolveu
pólipos gástricos hiperplásicos.
Nos dois últimos
pacientes tratados em nosso serviço, empregamos a ligadura elástica.
Um caso de cirrose alcoólica com ectasia difusa puntiforme teve
boa resposta. O outro paciente com EVDAG com hepatopatia auto-imune
não respondeu ao tratamento. |