ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS E FATORES DE RISCO
Os
antinflamatórios não-esteróides (AINES) representam
um grupo de drogas que estão entre as classes mais utilizadas
em todo o mundo. Só nos Estados Unidos, cerca de 70 milhões
de drogas antiinflamatórias são prescritas anualmente,
excetuando-se os pacientes que as usam sem prescrição
médica. Embora o uso destas drogas geralmente seja bem tolerado,
aproximadamente 10-20% dos pacientes apresentam dispepsia enquanto usam
AINES.
Não
existe boa correlação entre a presença e intensidade
das lesões induzidas por AINES e sintomas clínicos. Pacientes
podem apresentar hemorragia digestiva severa ou perfuração
sem que tenham tido algum sintoma prévio ao início do
quadro ou podem apresentar queixas dispépticas importantes como
dor, náusea, queimação, flatulência, sem
que haja lesões importantes vistas à endoscopia. Aproximadamente
30-40% das úlceras induzidas por AINES são assintomáticas.
Assim, torna-se necessário identificar fatores de risco que
contribuam para o desenvolvimento de complicações gastroduodenais.
Os principais fatores de risco estão dispostos no quadro abaixo:
Quadro 1- Fatores
de Risco Relacionados a Lesões Gastroduodenais por AINES.
Idade
> 60 anos |
História
prévia de úlcera |
Uso
concomitante de corticosteróide |
Altas doses
de AINES ou uso de mais de um AINES |
Administração
concomitante de anticoagulantes |
Tabagismo |
Etilismo |
Presença do
H.pylori (ainda controverso) |
A mortalidade
estimada para pacientes hospitalizados por sangramento gastrointestinal
secundário ao uso de AINES encontra-se em torno de 5-10%. Estudo
prospectivo em pacientes com artrite reumatóide que faziam uso
crônico de AINES revelou aumento de quatro vezes no risco de
mortalidade para pacientes em uso crônico de AINES,
quando comparados com pessoas que não usam AINES. Daí
a necessidade de se identificarem os fatores de risco, para eventualmente
realizar profilaxia nos grupos de risco.
PATOGENIA
E QUADRO CLÍNICO
Os AINES provocam
lesão na mucosa gastroduodenal por dois mecanismos básicos:
mecanismo sistêmico (responsável por 80% dos casos)
e mecanismo tópico.
No mecanismo
sistêmico, há enfraquecimento dos fatores defensivos
da mucosa por inibição da cicloxigenase, enzima
essencial para produção de prostaglandinas.
No mecanismo
tópico há efeito tóxico direto à mucosa
por aumento da permeabilidade celular, inibição do transporte
iônico e da fosforilação oxidativa. Ambos os mecanismos
reduzem as propriedades defensivas da mucosa, expondo-a ao efeito deletério
do ácido. Assim, os mecanismos agressivos (ácido, pepsina
e sais biliares) sobrepujam os defensivos (muco, bicarbonato, fosfolipídios).
Recentemente, têm-se
identificado dois tipos de cicloxigenase: COX-1, presente em todos os
tecidos e responsável pela produção de prostaglandinas,
e COX-2, sintetizada na presença de inflamação.
A grande maioria
dos AINES inibe ambas as cicloxigenases, diminuindo a inflamação,
porém reduzindo também a produção de
prostaglandinas, reduzindo assim os mecanismos de defesa da mucosa
gastroduodenal. Inibidores seletivos da COX-2 têm sido referidos
como drogas com efeitos deletérios menores, pois fariam inibição
apenas do sítio inflamatório, mantendo a síntese
de prostaglandinas. Diversos trabalhos têm demonstrado índices
inferiores de lesões digestivas em pacientes que utilizaram inibidores
seletivos de COX-2.
Os principais sintomas
referidos pelos pacientes são sintomas dispépticos como:
pirose, epigastralgia, náusea, vômitos e plenitude pós-prandial.
É importante enfatizar que 30-40% dos pacientes com úlceras
induzidas por AINES são assintomáticos enquanto que 50%
dos pacientes com dispepsia relacionada ao uso de AINES apresentam aspecto
endoscópico normal. Contudo, alguns pacientes com úlcera
induzida por AINES desenvolvem complicações graves como
hemorragia e perfuração, sendo necessário avaliar
os fatores de risco com objetivo de se traçar uma profilaxia.
TRATAMENTO
E PREVENÇÃO DAS LESÕES INDUZIDAS POR AINES
Vários estudos
têm-se preocupado com o tratamento e prevenção das
lesões gastroduodenais induzidas por AINES, principalmente em
doentes que usam cronicamente estes fármacos, pois quando existem
complicações relacionadas ao uso dos AINES estas são
severas e influem na mortalidade deste grupo de pacientes.
Dois grupos de
drogas têm sido testados para combater as lesões gastroduodenais
secundárias ao uso de AINES, tanto profilaticamente como
para tratamento: drogas antisecretoras (bloqueadores H2
e inibidores da bomba protônica) e drogas que melhoram os fatores de
defesa da mucosa gastroduodenal (misoprostol e sulcralfato).
Na última
revisão deste assunto, referida na bibliografia desta revista,
demonstrou-se que os inibidores de bomba protônica (omeprazol,
lanzoprazol) são superiores tanto na profilaxia como
tratamento das lesões gastroduodenais induzidas por AINES,
quando comparados com os bloqueadores H2. E segundo últimos
trabalhos publicados, pacientes assintomáticos sem quadro dispéptico
não devem receber tratamento profilático com bloqueadores
H2; porém, podem receber omeprazol (20mg/dia) ou lanzoprazol
(30mg/dia), ou análogo da prostaglandina, que é o misoprostol.
Ressaltamos que
esta última droga é a única medicação
aprovada pelo FDA (Food and Drug Administration) para profilaxia das
úlceras gastroduodenais induzidas por AINES. Contudo, devido
aos efeitos colaterais como diarréia e abortamento espontâneo
que esta droga pode promover, associada à dificuldade de aquisição
desta droga no Brasil, o misoprostol não é utilizado rotineiramente.
Quando disponível sua dose é de 200mg
3x dia.
O sulcralfato,
apesar de aumentar os níveis de prostaglandinas, melhorando a
barreira mucosa, em estudos recentes controlados não demonstrou
benefício na profilaxia das lesões gastroduodenais induzidas
por AINES.
No tratamento podem-se
usar bloqueadores H2, lembrando porém que sua eficácia
é inferior ao uso dos bloqueadores de bomba protônica.
Estes apresentam um índice de cicatrização em
8 semanas de 80%, enquanto que a ranitidina neste período
apresenta um índice de 60%. Quando o tratamento for indicado
e possível, ou seja, paciente em uso crônico de AINES apresentar
sintomas dispépticos, esta (bloqueadores de bomba protônica)
deve ser a opção de escolha. Estas drogas, além
de tratar, podem ser usadas como profilaxia nos grupos de risco em
uso cônico de AINES.
A introdução
de novas drogas antiinflamatórias que inibem seletivamente a
cicloxigenase tipo II (COX-2), parece ser o maior avanço na proteção
e profilaxia das lesões gastroduodenais induzidas por AINES.
O celecoxib e rofecoxib parecem reduzir estas lesões. Contudo,
futuros estudos são necessários para comprovar melhor
a inocuidade completa destas novas drogas no trato gastrointestinal. |